quinta-feira, 22 de abril de 2010

Carl Jung


O psiquiatra suíço que mergulhou em visões e sonhos e mudou a forma como entendemos a consciência

Você certamente sabe se é uma pessoa introvertida ou extrovertida. Ou se alguém da sua família - talvez você mesmo - tem algum complexo: de inferioridade, de superioridade ou de feiúra.Também já deve ter ouvido falar do inconsciente coletivo. Ou, quem sabe, dos arquétipos e da importância dos símbolos nos sonhos. Pois saiba que, se hoje você usa todos esses conceitos com naturalidade, há 100 anos eles causaram uma revolução na incipiente história da psicologia. E o causador desse furacão chamava-se Carl Gustav Jung.

Um dos fundadores da psicanálise e nascido na Suíça há 130 anos, Jung abriu uma janela entre a psicologia e a espiritualidade, além de criar conceitos e testes psicológicos usados até hoje nas sessões de terapia.

E, para entrar no clima junguiano, falemos de seu assunto preferido: sonhos. Não de qualquer sonho, mas sim daquele que influiu em sua teoria sobre o inconsciente comum da humanidade, ou inconsciente coletivo, uma das pedras angulares do seu pensamento. Era o ano de 1909 e o jovem psiquiatra Carl Jung estava em viagem pelos Estados Unidos com Sigmund Freud, seu colega e mestre, 20 anos mais velho e médico neurologista.

Jung sonhou com uma casa, que ele sabia ser sua casa,embora fosse diferente da sua moradia real. Segundo sua interpretação posterior, a casa era um símbolo dele mesmo, com seus diferentes níveis de consciência. No andar mais alto havia uma sala bem mobiliada com móveis de estilo rococó. Para Jung, isso era uma representação de seu nível consciente. Descendo as escadas, viu outro andar, na penumbra, com móveis mais antigos em uma instalação medieval, o que ele interpretou como sendo o começo de seu inconsciente. Descendo outro lance de escadas, encontrou um porão, com paredes características da época romana, que ele considerou um nível ainda mais profundo do inconsciente.No piso empoeirado, viu um alçapão que o conduziu a uma gruta, onde encontrou ossadas, vasos de cerâmica e vestígios de uma civilização primitiva. Ali, Jung finalmente descobriu dois crânios, meio desintegrados, que fariam parte do último extrato de consciência, representando camadas muito antigas. Depois disso, acordou.

No período de sete anos que durou sua amizade, Jung e Freud analisavam mutuamente seus sonhos. Quando contou o sonho da casa a Freud, este o interpretou segundo suas teorias, focalizando nos crânios, que, para o velho mestre, poderiam significar desejos secretos de morte. Jung discordou. Ele estava mais interessado no conjunto integral das imagens do sonho. E, a partir dele, concluiu que o inconsciente seria mais que um depositário de desejos reprimidos expressos em sonhos, como acreditava Freud.Embora não negasse a existência do inconsciente individual, Jung acreditava em um inconsciente maior, mais profundo, não pessoal, comum a todos os homens e culturas (era o que sugeriam os vários andares, com representações de várias fases históricas da cultura ocidental). A isso ele chamou de inconsciente coletivo.

Segundo Jung, esse inconsciente se exprime por meio de símbolos,que vêm à tona em sonhos, mitos e expressões artísticas. Todos os seres humanos, de qualquer povo, diz ele, compartilham os mesmos símbolos, mas em cada cultura eles têm roupagens próprias. A essas fôrmas comuns ele deu o nome de arquétipos.

A divergência entre os dois azedou a relação. Em 1913, Jung rompeu com seu mestre, e nunca mais os dois se entenderam. "Freud era um típico cientista de gabinete do século 19, enquanto Jung é um cientista do século 21, que viajou pelo mundo, integrou conhecimentos de várias áreas e experimentou nele mesmo suas teorias", diz o psicólogo paulista José Roberto Prazeres, que coordenou grupos de estudos junguianos.

Não causa surpresa o fato de que dois homens brilhantes discordassem tanto. O estudo da consciência humana é controverso por natureza. Há poucas evidências e sobram deduções. Afinal, como explicar o que se passa na cabeça dos outros com objetividade, se os elementos para trabalhar são os relatos subjetivos de cada um sobre os próprios pensamentos e emoções? Não é por acaso que a psicologia sempre foi criticada pelos cientistas, em especial os neurocientistas, que, embora saibam pouco sobre a mente, olham com desconfiança as teorias propostas pelos psicólogos. A recíproca é verdadeira. Terapeutas e analistas questionam igualmente os parâmetros (limitadores, segundo eles) impostos pela ciência.

Cobaia de si mesmo
Jung conhecia todas essas dificuldades. Assim,para ter acesso total ao resultado da aplicação de suas teorias, decidiu experimentá-las em si mesmo. Foi o que fez. Durante cinco anos, enquanto levava sua vida normal como pai de família e diretor do Hospital Psiquiátrico de Bugholzli, em Zurique, anotou seus sonhos e insights. E em 1913 resolveu mergulhar no próprio inconsciente, uma viagem que ele realizou como se entrasse em um sonho, quase hipnoticamente. É bom dizer que o médico sempre teve esse tipo de visões.Mas dessa vez, em vez de afugentá-las, partiu em sua direção.
"Foi no ano de 1913 que decidi tentar o passo decisivo - no dia 12 de dezembro. Sentado em meu escritório, considerei mais uma vez os temores que sentia, depois me abandonei à queda. O solo pareceu ceder sob meus pés e fui como que precipitado numa profundidade obscura. Não pude evitar um sentimento de pânico.Mas, de repente, sem que ainda tivesse atingido uma grande profundidade, encontrei-me, com grande alívio - de pé, numa massa mole e viscosa. A escuridão era quase total", descreveu.

Lá, Jung teve inúmeras visões, que posteriormente ele interpretou como arquétipos.Mas, para nós, o important é que, no fundo desse local escuro, ele viu o brilho intenso de um sol vermelho nascendo. Para ele, significava que no inconsciente mais profundo havia algo muito bom, uma salvação. E Jung dedicaria sua vida para procurá-la.

Afinal, a teoria
Jung concordava, como dizia Freud, que, quando um paciente entendia racionalmente o motivo pelo qual um símbolo aparecia em seus sonhos, esse símbolo perdia seu poder perturbador. Se um paciente, por exemplo, tivesse um sonho recorrente com uma bruxa que o perseguia, tanto Freud quanto Jung começariam perguntando se a emoção provocada pela bruxa lembrava algum episódio da vida real (por exemplo,um repreensão severa sofrida na escola). Depois, paciente e psicólogo investigariam esse incidente, tentando entender por que o episódio perturbava (digamos que, na lembrança do paciente, a professora fosse muito cruel ou brava). Pronto. Os dois médicos acreditavam que, revelado à luz da razão, o símbolo perdia seu poder. Se aquele episódio fosse de fato a causa da imagem da bruxa, ela em breve desapareceria dos sonhos.
A diferença é que, para Freud, a força por trás dos sonhos eram sempre desejos reprimidos, principalmente sexuais. Para Jung, não. Ele acreditava que os símbolos podiam expressar um desejo interno de compreensão - isto é, apareciam em sonho justamente para serem entendidos.

E como essa compreensão acontecia? Jung dizia que, se não fossem manifestados conscientemente, poderiam lançar "sombras" em outras pessoas ou situações. Ainda no exemplo da bruxa, essa imagem poderia dificultar, inconscientemente, o relacionamento do paciente com mulheres mais velhas (mãe, chefes), que poderiam ser consideradas ameaçadoras. Ou seja, essas projeções turvavam a visão da realidade. Com o tempo, o indivíduo poderia desenvolver uma neurose, isto é, um desvio do entendimento do que é real. A neurose, acreditava Jung, tinha uma vantagem: ela pressionava para que o problema fosse resolvido.

Segundo o suíço, o inconsciente enviava símbolos à tona para que a mente consciente fosse, aos poucos, compreendendo e integrando todo seu conteúdo submerso. Era uma atividade natural da psique, pensava Jung. Era assim que a personalidade total do indivíduo se desenvolvia e amadurecia: integrando os símbolos do inconsciente. Com esse aumento de compreensão, automaticamente a consciência se ampliava. Esse processo, que ele chamou de individuação, era acelerado pela análise dos sonhos e dos símbolos neles contidos.

Difícil? Pois tem mais. Jung dizia que esse aí que você chama de você, esse você consciente, não é você. Esse você, que ele chamou de ego, era apenas parte da su consciência.Quem comanda mesmo sua mente, tanto a consciente quanto a inconsciente, é o si-mesmo, uma unidade psíquica maior e mais importante que o ego. O si-mesmo (ou self, termo também usado pelos junguianos) é o ponto central da psique total do indivíduo. É ele, segundo Jung, que envia os símbolos à sua consciência para serem interpretados e revelados. Tudo para ampliar sua consciência sobre si mesmo e fazer você amadurecer psicologicamente.

Imagine um galpão às escuras, à exceção de um círculo iluminado por uma única lâmpada. Segundo Jung, o self é o dono do galpão, o único que sabe tudo o que existe lá dentro. A área escura é o inconsciente. E lá no meio, em um pequeno círculo iluminado, está você, o ego, lendo VIDA SIMPLES. Aos poucos, o self traz as coisas mais perto da luz para que o ego as vislumbre. São os sonhos. Conforme vamos tomando consciência dessas coisas, as luzes sobre elas vão se acendendo, e a consciência vai se ampliando, até que todo o galpão se ilumina. De volta às palavras de Jung, esse é o momento em que o si-mesmo se realiza plenamente, a pessoa tem um sentimento de totalidade,de integração com o Universo e com os outros. Assim se concretiza a tarefa da sua existência humana: atingir a totalidade.

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