quinta-feira, 22 de abril de 2010

2001 e Homero

“Eu tentei criar uma experiência visual, algo que ultrapassasse a compartimentalização verbalizada e penetrasse diretamente o subconsciente com conteúdo emocional e filosófico... eu quis que o filme fosse uma intensa experiência subjetiva, que atingisse o espectador num nível interior da consciência, assim como a música faz... você é livre para especular como desejar sobre o sentido filosófico e alegórico do filme.”

Não pude achar algo mais apropriado para começar esta que é a Moviola final sobre 2001 – Uma Odisséia no Espaço, do que esta declaração de Stanley Kubrick, seu autor. Nela, o diretor nos deixa livres para especularmos sobre seu filme, coisa que, aliás, não poderia ser diferente, visto que, como dito nas colunas anteriores e na própria declaração de Kubrick, trata-se de uma obra essencialmente subjetiva, ou seja, que tem com cada espectador uma relação única, particular, que dependerá, entre outras coisas, da própria experiência existencial, sensorial e estética do sujeito envolvido.

Sendo assim, continuo essa pequena viagem pelo filme inicialmente relatando a ação da terceira e da quarta partes, procurando me ater ao que vemos na tela sem tentar, nesse primeiro momento, especular, analisar ou interpretar. Faço isso da forma mais breve possível e por dois motivos principais: para relembrar ao leitor que não tem fresco o filme na cabeça e para facilitar a própria continuação do texto, que tomará como pressuposto que estão todos familiarizados com as principais cenas do filme (ou seja, todas). Aliás, verão que mesmo nessa breve descrição tomei a liberdade de analisar a fundo uma cena específica, por considerá-la emblemática não só para o filme, mas para a compreensão do gênio cinematográfico de Kubrick. (Caso não tenha lido a primeira e a segunda partes dessa Odisséia, faça-o clicando aqui e aqui.)

MISSÃO JÚPITER
A terceira parte do filme, Missão Júpiter (18 Meses Depois), começa e somos apresentados ao astronauta Frank Poole, que se exercita no interior da espaçonave Discovery, enquanto outro, David Bowman, se alimenta. Também somos informados da presença de mais três astronautas em estado de hibernação.

Em seguida, entra em cena HAL 9000, o mais perfeito computador já concebido, que controla todas as funções da nave e a missão em geral e que, segundo somos informados, imita a maior parte das atividades do cérebro humano, além de ser à prova de falhas. Tudo segue relativamente bem até que HAL anuncia uma falha num dos sistemas, que ocorreria em 72 horas. Decide-se, então, ir ao espaço para a retirada da peça para que seja verificada. Não há nada errado com a peça. A central da missão, na Terra, diz que houve erro de HAL, que o alarme fora falso e que o irmão gêmeo de HAL na Terra endossava essa opinião.

HAL insiste que está correto e que é absolutamente incapaz de errar. Diz que certamente está havendo um ‘erro humano’ e ressalta que tem um “histórico operacional de absoluta perfeição”. Os dois astronautas, frente a esta inesperada situação, decidem conversar sobre o assunto e para isso se trancam numa cápsula e desligam os microfones para que HAL não escute o que estão dizendo. Decidem desligá-lo, mas não sabem que HAL consegue entender o que dizem através de leitura labial. Dá-se o intervalo.

INTERVALO PARA APRECIAR KUBRICK
Aqui também faço uma pausa na descrição da ação do filme para dizer que aí está uma das mais brilhantes cenas da história do cinema. Kubrick a monta de maneira absolutamente econômica, tensa e genial. A partir do momento em que os astronautas estão na cabine, são apenas cinco enquadramentos para quatro minutos de ação. Stanley começa a cena com o plano-detalhe dos controles de microfones sendo desligados, então há um corte para a tensa conversa de Bowman e Poole, filmada no mesmo enquadramento fixo. O enquadramento, que mostra ambos dentro da cápsula e ao fundo alguns controles da nave, vistos através de um vidro oval, nos dá, inicialmente, uma sensação de segurança (compartilhada pelos astronautas). Mas o corte não vem e a conversa se alonga. Tocam, então, no assunto de desligar HAL.

Temos, então, um corte para um plano aproximado no qual vemos com mais detalhes os mecanismos antes vistos ao fundo do plano geral que dominara a cena. Não sabemos ao certo o que são. Kubrick utiliza esse plano para instaurar uma primeira dúvida e uma leve apreensão: será que HAL não está mesmo ouvindo? Mas rapidamente retorna ao enquadramento principal e à conversa dos astronautas, que não deixou de ser ouvida pelo espectador no plano anterior. A conversa continua. Há, então, outro corte para um plano detalhe do grande olho de HAL. Não mais ouvimos o som da conversa e sim o silêncio do ambiente, ou seja, não estamos mais na cabine: estamos do lado de fora. Utilizando o áudio, Kubrick nos prepara para o que virá. Nos perguntamos: “Então HAL ouve a conversa? Não é possível! Mas como?”.

Há, então, o último corte e estamos agora vendo em um plano aproximado os lábios de um dos astronautas se movendo seguido de um movimento lateral de câmera, que encontra os lábios do outro astronauta. O movimento lateral e o recorte dos lábios denunciam a câmera subjetiva: assumimos o ponto de vista de alguém. HAL lê os lábios. Kubrick demonstra seu completo domínio e controle da narrativa fílmica numa cena de poucos planos e enquadramentos, mas de várias e riquíssimas intenções narrativas e plenas intenções dramáticas. Uma cena kubrickiana por excelência.

HAL ATACA
Pois continuemos com a breve descrição do filme. Após o intervalo, vemos HAL iniciar sua ofensiva contra os astronautas. Inicialmente, ataca Poole quando este está no espaço para repor a peça antes retirada. Bowman, então, pega outra cápsula e vai atrás do amigo. Enquanto isso, dentro da nave, vemos HAL desligar as funções que mantinham vivos os astronautas hibernados. Então, nega o pedido de Bowman para deixá-lo entrar novamente na nave. HAL assume o controle da missão dizendo a Bowman que a mesma “é importante demais para que humanos a coloquem em risco”.

Bowman consegue entrar na nave abrindo mecanicamente o compartimento e realizando um movimento ousado e corajoso. Prevendo o que estava para acontecer, HAL começa a se desculpar, assumindo o mau comportamento e prometendo voltar ao ‘normal’. Dave não se comove e procede ao desligamento de HAL, que pateticamente implora por sua ‘vida’ e, em seus momentos finais, entoa a canção Daisy. Vemos uma gravação onde a missão é explicada como sendo uma jornada a Júpiter, de onde teria vindo o primeiro sinal de vida inteligente fora da Terra.

Começa, então, o episódio final de 2001: Júpiter e Além do Infinito. Ao som de Atmosphères, de Gyorgy Ligeti (compositor contemporâneo muito utilizado por Kubrick em vários de seus filmes: é dele, por exemplo, o sinistro tema de piano da cena da orgia em De Olhos Bem Fechados), vemos, primeiro, o monolito passeando pelo espaço. Então vemos a nave de Bowman atravessando o que parece ser um túnel, um grande portal onde luzes e efeitos visuais os mais diversos se interpõem a imagens da superfície do planeta. Closes das pupilas de Bowman são intercalados com toda a ação.

A nave parece ter pousado. Vemos um quarto semelhante àqueles da aristocracia do século 18, mas com uma iluminação e um clima basicamente ascéticos, clean, e, portanto, modernos. Os olhos de Bowman revelam-se enrugados. Ele percorre o quarto e vê a si mesmo mais velho, numa mesa, comendo e bebendo vinho. Seu outro eu deixa cair a taça, que se quebra. Ao abaixar-se para pegá-la, vê novamente a si mesmo numa cama, ainda mais velho, aparentemente próximo à morte. Esse terceiro Bowman levanta o braço apontando para o monolito, que está a sua frente. Na cama, agora, vemos um círculo luminoso com o que parece ser um feto dentro. A câmera se move em direção ao monolito e passeia pelo espaço. Ao som de “Assim Falou Zaratustra” vemos novamente o círculo com o feto, que parece girar ao redor do espaço.

AFINAL, O QUE ISSO TUDO SIGNIFICA???
Como sabem, há dezenas de leituras para 2001 – Uma Odisséia no Espaço, desde as mais simples às mais complexas e intrincadas. Uma famosa leitura, por exemplo, é a partir da Odisséia de Homero como base para leitura da Odisséia de Kubrick. Para começar, há a óbvia relação entre os nomes, que não é mera coincidência. Vejamos o que Kubrick diz sobre isso: “Nos ocorreu que, para os gregos, as vastas extensões do mar devem ter sido tão misteriosas e remotas quanto o espaço para nossa geração, e que as longínquas ilhas visitadas pelos maravilhosos personagens de Homero não eram menos remotas para eles do que são para nós os planetas onde nossos astronautas irão logo pousar”.

Trata-se de uma leitura com muitas possibilidades – para a qual, confesso, eu necessitaria de um maior mergulho na obra de Homero (que li apenas uma vez e há anos). Mas só o fato de sabermos que a Odisséia foi, de fato, uma fonte de inspiração direta para Kubrick e Arthur C. Clarke, já torna possível pensar em algumas ligações ou, pelo menos, possíveis fontes de inspiração para alguns dos elementos do filme. A própria estrutura de Odisséia: no filme, Bowman seria Ulisses e HAL seria uma espécie de ciclope do futuro, que tem de ser vencido. E o homem vai ao espaço atraído pelo canto da sereia, que poderia ser o chamado ao espaço realizado pelo ruído sonoro que sai do monolito quando este é fitado pelo homem na Lua.

Como podem ver, a coisa pode ir longe por este caminho, mas ele é apenas um deles. Há, por exemplo, tentativas de leituras um pouco mais ‘fechadas’ da obra, que, como veremos a seguir, têm suas virtudes, mas também – e não poderia deixar de ser diferente – suas limitações. Apresentarei aqui uma das interpretações que mais sucesso faz na Internet hoje em dia: ela pode ser vista em flash neste site. Tentarei, aos que não quiserem acessá-lo e para enriquecer nosso debate, expor essa interpretação.

O CO(R)PO
Há quatro milhões de anos, um visitante extraterrestre coloca um monolito próximo a macacos adormecidos. As características dessa espécie de macacos são: medo, curiosidade e coragem, características estas (e não a influência do monolito) que levaram o macaco à invenção da ferramenta. O tempo passa e ocorre a evolução do homem, enquanto espécie, atrelada à evolução da ferramenta. O ser humano está atingindo o ápice de sua evolução (e de suas ferramentas). Ele chega ao espaço.

Mas algo está errado, visto que, no espaço, o homem perde o controle de suas ferramentas: não segura a caneta, se alimenta de papinha e tem de reaprender a andar e a ir ao banheiro (me referi a esta leitura na coluna passada). O homem se depara novamente com o monolito na Lua e não demonstra medo e nem surpresa. A raça humana ainda tem muito a aprender. O monolito é uma sentinela, que vigia e observa até que ponto o homem evoluiu.

Dezoito meses depois, uma nova criatura habita o espaço: HAL. Trata-se de uma nova espécie, cujas funções seriam ser o cérebro e o sistema nervoso da Discovery. A função do homem é questionada. Para que servem? Do ponto de vista de HAL, são seres inferiores, entediados e entediantes, com seus jantares pré-aquecidos, bronzeamento artificial, facilmente derrotáveis no xadrez e vulneráveis a ponto de precisarem estar quase mortos (hibernados) para conseguirem viajar. Os humanos seriam apenas técnicos de manutenção no final de seus processos evolutivos. A ferramenta de última geração não mais necessita desses macacos.

HAL, então, comete um erro. Ele prevê incorretamente a falha total da antena da aeronave. A tripulação decide, ao descobrir o erro de HAL, desligá-lo. Porém, o Homem perdeu o controle de suas ferramentas: HAL pensa que está vivo. Começa a batalha entre o Homem e suas ferramentas. HAL mata o astronauta e os outros que hibernam, além de impedir a entrada de Dave. O computador vence. Será? HAL calculou mal a coragem e a engenhosidade daqueles velhos macacos e Dave está de volta. Então o homem mata o computador com a mais simples das ferramentas: a chave-de-fenda. Com a destruição de HAL, o Homem encerra mais um processo evolutivo; venceu a batalha contra suas ferramentas.

Agora, sozinho no espaço, ele se prepara para enfrentar o desconhecido. E as forças que o trouxeram até aqui estão esperando por ele. Estamos no Quarto (leia-se: a 4a dimensão, o tempo), o palco para o desafio final do homem: sua própria morte. Ele se vê velho, fazendo a última ceia. O copo está quebrado, mas o vinho ainda está lá. Recipiente e conteúdo; corpo e espírito. O espírito permanece. A evolução do homem dependeu tanto de sua tecnologia que ela quase o destruiu. Agora que venceu a luta contra as ferramentas, o que sobrou de você? A luz não morre. O universo é infinito. O homem está próximo do passo seguinte na evolução. Seu corpo é deixado de lado. Nasce a criança-estrela.

O MONOLITO
Embora, como tenha dito, essa leitura apresente vários pontos interessantes, acho que empobrece bastante o alcance da obra, tentando reduzi-la a uma metáfora lógico-científica. Por exemplo, ao classificar o monolito como sendo simplesmente uma “sentinela” dos extraterrestres para monitorar o percurso e a evolução do homem (idéia claramente inspirada no conto The Sentinel, do co-roteirista Arthur C. Clark, que deu origem ao roteiro do filme), essa perspectiva retira o grande poder simbólico-filosófico que esse monolito apresenta quando visto sob ótica, digamos, mais amplas.

Ora, sabemos que o monolito aparece em quatro oportunidades: na Alvorada do Homem (há milhões de anos); enterrado na Lua (também há milhões de anos, segundo estabelecido no filme); vagando pelo espaço no início da quarta parte; e no Quarto, ao final do filme. Ou seja, é algo onipresente (por estar em vários lugares e dimensões ao mesmo tempo), onisciente (por testemunhar todos os momentos-chave da evolução do Homem) e onipotente (por influenciar e de alguma forma agir em todos esses momentos, tempos e dimensões diferentes). Alguém aí é capaz de me dizer quem ou o quê nós ‘conhecemos’ capaz de reunir todas essas três características?

Sim, Ele, Deus. Ou a Força ou mesmo a entidade metafísica por excelência, o que preferirem. Mas aí a coisa se complica. Então o monolito é Deus? Não exatamente. Ao menos, nunca foi essa a intenção explícita de Kubrick. Para ele, como disse em várias oportunidades, o monolito é algo deliberadamente introduzido na Terra por extraterrestres com o interesse, entre outros possíveis, de exercer influência sobre a evolução do Homem (o que não impede uma leitura neste sentido da divindade: como o próprio autor diz, estamos livres para especular. Inclusive, acho possível, sim, uma interpretação religiosa para o filme, embora definitivamente não seja a minha). Os extraterrestres, então, não só nos observam como nos guiam em direção a, quem sabe, o passo final na evolução do Homem.

Poderíamos ler, então, que, embora acreditemos (a maioria de nós) em um Deus, poderíamos estar sendo guiados na verdade por outras formas de vida inteligente? Como distinguir uma coisa de outra? E por que essa forma estaria interessada em nos guiar no caminho da superação do estado de espécie humana mortal, temporal e frágil, para outro mais evoluído, o do homem-estrela? Seria uma visão otimista desses possíveis seres de outras galáxias e dimensões? Sim, eu acredito, otimista em relação às outras civilizações e (eu diria) pouco entusiasmada em relação ao Homem por si mesmo. E isso fica mais claro quando analisamos como Kubrick conduz a narrativa do ponto de vista da empatia com os personagens.

OS PERSONAGENS HUMANOS
Em primeiro lugar, não há um só ator realmente famoso (pelo menos até então) em 2001. E qual a razão disso? Kubrick não queria a empatia do público para com os personagens humanos. E isso fica claro em toda a seqüência da Discovery: HAL é um personagem muito mais rico em todos os pontos de vista, principalmente do dramático: conflituoso, cínico, dissimulado, sinistro, ambíguo e esperto. Nós nos “identificamos” muito mais com HAL do que com os dois seres humanos da nave, que são insípidos e desinteressantes. E isso é deliberado da parte de Kubrick.

Além disso, ao associar os momentos-chave de superação do homem à influência do monolito, Kubrick estaria dizendo indiretamente que o homem não é capaz de alcançar o estágio do homem-estrela ou do “anjo” (como ele mesmo já descreveu em entrevistas) ou do super-homem sozinho, mas somente com interferência (ou ajuda, inspiração) direta de forças externas (extraterrestres, a idéia de Deus ou ambos). Apenas seria capaz de lidar sozinho com aquilo que ele mesmo criou: as ferramentas - e por isso Bowman se viu só no espaço em sua luta contra HAL. O homem venceu o desafio contra sua ferramenta, mas continua sozinho no espaço, esperando a morte certa. Não fossem o chamado de Júpiter e a ‘ajuda’ simbolizada novamente pelo monolito, o homem jamais alcançaria a evolução total como o fez. (E é tão forte a importância do monolito nesse sentido que, quando Bowman se transforma na esfera luminosa com o feto e está em cima da cama no Quarto, a câmera toma seu ponto de vista e ele/ela vai em direção ao monolito para, aí sim, retornar ao espaço enquanto forma superior; o homem, recém-transformado em homem-estrela, só pode retornar ao espaço através do monolito, que, nesse sentido, tem um papel central em toda a odisséia, não podendo ser apenas um sentinela, como postula a interpretação daquele site).

Nesse ponto, acho que talvez perderia força uma das mais tradicionais interpretações de 2001: a interpretação a partir da filosofia de Nietzsche - mais precisamente do livro Assim Falou Zaratustra. As conexões são muitas e bastante férteis. Das mais óbvias (como o fato da música de Strauss, que pontua momentos-chave do filme, se chamar Assim falou Zaratustra) até ligações simbólicas mais complexas, inferidas através de vários aforismos do livro de Nietzsche que rimam poética e filosoficamente com muitas das questões colocadas pelo filme.

Porém, se formos fazer uma relação muito direta, tentando ler todo o filme a partir de Nietzsche, a leitura fica simplificada e muito difícil de ser sustentada. A idéia do super-homem nietzschiano pode, sim, ser rimada com a do homem-estrela kubrickiano, já que ambas postulam um estágio superior do desenvolvimento do homem. Mas como conciliar a idéia nietzschiana de vontade de potência, fundamental para o caminho do homem rumo ao seu estágio superior, com o homem pouco potente e dependente de externalidades físicas (ou metafísicas) apresentado por Kubrick?

Por esta razão, defendo que há, sim, influência de Nietsche em 2001, mas esta não é preponderante e nem definitiva para uma pretensa ‘interpretação’. Ela constitui uma forte fonte de inspiração artística, poética e filosófica para obra, assim como várias outras que aqui citei ou mesmo outras que ignorei por falta de espaço ou simplesmente por desconhecimento.

E inicio minha despedida dizendo, primeiramente, que por mais que eu dedique Moviolas e Moviolas a 2001 (e, acreditem, tenho vontade de fazê-lo), sempre terminarei a coluna com a percepção de que foi insuficiente. Mas como tudo deve, de uma forma ou de outra, acabar, termino dizendo que sempre achei que 2001 era para ser um filme sobre evolução e vida extraterrestre, mas que, de tão majestoso e brilhante, acabou se tornando uma obra de arte única que fala sobre tudo o que de mais importante o ser humano tem ou teve, viveu ou viverá. Por isso, insisto, a tentativa de ‘explicar’ o filme de maneira definitiva é um exercício fútil que para nada serve além de diminuir a obra e demonstrar uma profunda incompreensão sobre sua dimensão artística. É como explicar Os Girassóis de Van Gogh ou a Mona Lisa de Da Vinci, ou mesmo tentar explicar sentimentos mais pessoais e complexos como o amor. Não se explica o amor, mas pode-se falar sobre ele; não se entende o amor, mas pode-se tentar, eternamente, entendê-lo.

E falar sobre filmes como 2001 é um pouco disso: é bom, mas angustiante; extremamente frutífero, mas, de alguma maneira, sem sentido. Uma das funções maiores da arte, se é que podemos pensar em arte como tendo alguma ‘função’, é justamente funcionar como uma grande metáfora da vida no que ela é, já foi ou poderia ser, ou seja, da vida em toda sua plenitude e, principalmente, em sua potencialidade. Sendo assim, a grande manifestação artística – e sua conseqüente apreciação e reflexão – ganha todo o seu sentido justamente ao não apresentar sentido aparente: a sua função é a de existir, e seu sentido maior está contido nela própria (mesmo se dando de maneiras diferentes para cada um que com ela entre em contato).

Sendo assim, encerro dizendo que o sentido de 2001 é o de simplesmente existir. Hoje e sempre.

Abraços a todos e até próxima edição de Moviola!

Bibliografia consultada e/ou indicada:

FALSETTO, Mario. Staney Kubrick: A Narrative and Stylistic Analysis. London: Praeger, 2001.

KAGAN, Norman. The Cinema Of Stanley Kubrick. New York: Continuum, 2000.

LABAKI, Amir. 2001: Uma Odisséia No Espaço. São Paulo: Publifolha, 2000.

RASMUSSEN, Randy. Stanley Kubrick: Seven Films Analyzed. North Carolina: McFarland & Company, Inc., 2001.

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