quinta-feira, 22 de abril de 2010

O olho em Stanley Kubrick




"Somente se modificarmos nosso olhar teremos as respostas que precisamos"

O principal olho de Kubrick é o da câmera.

O 1o assassino


O que corrobora a teoria do próprio Kubrick, de que ele é um otimista, pra quem o homem começou assasino e só progride. Para a Bíblia, o homem começou puro e foi expulso para sempre do paraíso, por exemplo.

Três reações ao incosciente


Tecnologia


Kubrick e nossa conciliação com o universo.

"É de vital importância respeitarmos o deconhecido. Sem isso, estaremos perdidos em uma nevoa de ilusão e auto-estima. O mais aterrorizante pra mim é que o universo é indiferente a nós. Se pudermos conciliar essa indiferença talvez possamos dar significado e prazer a nossa vida.

Por maior que seja a escuridão, devemos fornecer nossa luz."

Modernismo, Pós-Modernismo e Stanley Kubrick

O termo “pós-moderno” foi popularizado no início da década de 1980, com ampla utilização na música, no teatro, nas artes visuais, e nas mais variadas esferas de cultura, para designar as tendências estéticas posteriores a uma modernidade, então concebida como acabada ou ultrapassada. A expansão de uso do conceito de pós-modernidade coube ao filósofo francês Jean-François Lyotard, com a publicação de “A condição pós-moderna” de 1979.
Em sua origem o pós-modernismo significava a perda da historicidade e o fim da “grande narrativa”, o que no campo estético significou o fim de uma tradição de mudança e ruptura, o apagamento da fronteira entre “cultura de elite ” e da “cultura de massa” e a prática da apropriação e da citação de obras do passado.
No cinema, é difícil definir a pós-modernidade, assim como a própria modernidade, pois a arte inteira do cinema é moderna, ou pós-moderna, conforme os pontos de vista. Vários críticos tentaram projetar na história dos filmes uma periodização primitiva/clássica/moderna/pós-moderna, retomando os velhos esquemas da história da arte.
O pós-moderno é então concebido como uma reação contra os valores da modernidade. Ele se caracteriza, no cinema, pelo gosto da citação, da intertextualidade em geral, pela criação de personagens complexas ou de narrativas sem personagens, pela ligação do cinema com o espetacular etc.
Há diversos ícones do movimento pós-modernista nas artes. Nas artes plásticas foi Andy Warhol e a Pop Arte, o fotorrealismo, e o neo-expressionismo. Na música John Cage, mas também a síntese entre os estilos clássicos e popular que vemos em compositores como Philip Glass e também o punk rock e a new wave. No cinema Godard, na literatura William Burroughs, Thomas Pynchon e o “nouveau roman” francês e seus sucessores.
Na sociedade, a chamada pós-modernidade aparece como uma espécie de renascimento dos ideais banidos e cassados por nossa modernidade racionalizadora. Esta modernidade teria terminado a partir do momento em que não podemos mais falar da história como algo de unitário e quando morre o mito do progresso.
Os ideais da modernidade foram responsabilizados por toda uma onda de comportamentos, de atitudes irracionais e desencantamentos em relação a política, e ao crescimento do ceticismo face aos valores fundamentais do homem. Foi estigmatizada por essa excessiva confiança em uma razão, nas grandes narrativas utópicas de transformação social, e o desejo de aplicação mecânica de teorias abstratas à realidade. E falhou em todos esses aspectos. Assim, o pós-moderno é um adeus à modernidade e ao tipo de razão que deu origem a duas grandes guerras.
Quem acredita hoje em dia que todo real é racional como dizia Hegel? Que esperança se pode depositar no projeto da razão quando sabemos que tudo é submetido ao jogo de mercado? Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do sistema, onde só tem valor o que funciona segundo previsões de lucro e onde seus desejos, suas paixões, necessidades e aspirações são racionalmente administrados e manipulados pela lógica da eficácia econômica, que reduz tudo e todos ao papel de passivo consumidor?
Para Fredric Jameson , o pós-modernismo também aponta a sobreposição entre as teorias do pós-modernismo e as generalizações sociológicas que anunciam um tipo novo de sociedade, conhecida como sociedade pós-industrial. Ele argumenta que qualquer ponto de vista a respeito do pós-modernismo na cultura é ao mesmo tempo uma posição política, implícita ou explícita, com respeito à natureza do capitalismo multinacional globalizado de nossos dias.
Se o modernismo foi caracterizado por “imagens de máquinas”, podemos dizer que o pós-modernismo é caracterizado por “maquinas de imagens”, como a televisão, o computador , a internet e os shopping centers.
A relação entre as escalas de valores, que orientam a ética do passado moderno e o presente pós-moderno, são nítidos, quando dirigimos o nosso olhar para o que é público e o que é privado.
No moderno, os sintomas de obscenidade de exploração sexual ou de exploração no trabalho, operavam sempre no oculto, eram relegados aos subterrâneos da vida social. Hoje, na sociedade ocidental pós-moderna, operam mecanismos de promoção da visibilidade do que era privado. Essa visibilidade de cenas tende a ser obscena, quando exclui a dimensão da subjetividade e da privacidade das pessoas. Anula-se a dimensão do privado, tornando tudo público.
Segundo Freud, a doença da era moderna era a histeria, onde ocorria a teatralização do sujeito, incapaz de suportar tanta repressão, originada no conflito psíquico. O mal estar pós-moderno, é visível e trivial, expresso na linguagem do cotidiano do trabalho compulsivo, muitas vezes vendido como se fosse lazer, ou ócio criativo, que gera estresse, perversão, depressão, obesidade e tédio.
Na sociedade pós-moderna a perversão se vê livre para se manifestar em diversas formas, como na violência urbana, no terrorismo, nas guerras ideologicamente consideradas justas. A razão cínica é cada vez mais instrumentalizada. Isto é, não basta ser transgressivo, é preciso construir uma justificativa moral para atos imorais ou perversos.
Na pós-modernidade a perversão e o estresse são sintomas, resultados da falta de lei, da falta de tempo, e da falta de perspectivas de futuro, porque tudo se desmoronou, do muro de Berlim a crença nos valores. Tudo se tornou demasiadamente próximo, promíscuo, sem limites.
No ego pós-moderno tudo vale. Todos sentem a obrigação de se divertir não importando os limites de si próprios e dos outros. As pessoas se sentem no dever de se vender e de fazer tudo que os outros fazem, e o senhor invisível que nos manda é o super-ego pós-moderno. Ele manda você sentir prazer naquilo que você é obrigado a fazer, para não ser estigmatizado pelos seus pares.




Bibliografia:

Jameson, Fredric. Pós-modernismo. Edit. Ática. 1991
Anderson, Perry. As Origens da pós modernidade. 1999. edit. Jorge Zahar.
Harvey, David. A condição pós moderna. Edit. Loyola. 1992
Zizek, Slavoj. Arriscar o impossível - Conversas Com Zizek. Edit. Boi tempo. 2008
Aumont, Jacques e Marie, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Edit. Papirus. 2001

Pavel Klushantsev - Road to the Stars



Este é um filme absolutamente único dentro do universo da ficção científica.
Talvez por ter sido uma (agora) obscura média-metragem criada na Rússia durante os anos 50 com um objectivo didático e propagandístico, continua por isso longe dos olhares do público ocidental até hoje.



As pessoas nem fazem ideia do quanto ["Road to the Stars"] é não só bom cinema semi-documental, como ainda por cima no que toca a efeitos especiais foi uma obra absolutamente pioneira ao ponto de muitas das suas imagens e sequências terem dez anos mais tarde ficado mundialmente famosas mas numa forma inesperada.



É practicamente unânime entre a iluminada crítica cinematográfica que a obra prima de Stanley Kubrick, o fabuloso “2001-Odisseia no Espaço”, é o melhor filme de ficção científica de todos os tempos. Mesmo depois de muitos desses mesmos senhores na altura terem trucidado o filme nas suas críticas que ficaram famosas.
O filme de Kubrick agora já é constantemente elogiado pela sua visão futuristica, pela criatividade das sequências espaciais e pelos efeitos especiais. No entanto niguém parece alguma vez ter notado que pelo menos dez anos já existia um filme Russo que dentro da estética da época não só practicamente já tinha ”igualado” esse estilo visual, como parece ter sido estranhamente premonitório no que toca á criação de inúmeras sequências, que dez anos mais tarde aparecem reproduzidas no filme de Stanley Kubrick.



["Road to the Stars"] será provavelmente o melhor e mais visionário filme de ficção científica de todos os tempos, não por ter tentado prever o futuro, mas por ter acertado em cheio como “2001 Odisseia no Espaço” iria apresentar visualmente esse mesmo futuro quando estreou dez anos depois.
Infelizmente isto não se consegue transmitir bem pelas imagens fixas, mas quando virem o filme garanto-vos que irão ficar bastante intrigados com as incríveis semelhanças visuais entre as duas obras não só em design conceptual mas também nos próprios enquadramentos e montagem das cenas espaciais.
Seguem abaixo mais alguns exemplos de comparações entre os dois filmes para intercalar com o resto desta review. Á esquerda imagens de (“Road to the Stars”] e á direita “2001 Odisseia no Espaço” durante as próximas seis filas de fotografias.



No entanto, embora a semelhança com “2001 Odisseia no Espaço” seja por vezes extraordinária, ["Road to the Stars"] não tem nem de perto nem de longe a mesma história.
Na verdade este inovador filme Russo de 1958, nem sequer é um projecto de ficção, mas mais um semi-documentário sobre ciência, nomeadamente um documentário onde se recria ficcionalmente alguns segmentos da vida de vários sábios e cientístas soviéticos que contribuiram para o desenvolvimento da exploração espacial no leste europeu.

2001 e Homero

“Eu tentei criar uma experiência visual, algo que ultrapassasse a compartimentalização verbalizada e penetrasse diretamente o subconsciente com conteúdo emocional e filosófico... eu quis que o filme fosse uma intensa experiência subjetiva, que atingisse o espectador num nível interior da consciência, assim como a música faz... você é livre para especular como desejar sobre o sentido filosófico e alegórico do filme.”

Não pude achar algo mais apropriado para começar esta que é a Moviola final sobre 2001 – Uma Odisséia no Espaço, do que esta declaração de Stanley Kubrick, seu autor. Nela, o diretor nos deixa livres para especularmos sobre seu filme, coisa que, aliás, não poderia ser diferente, visto que, como dito nas colunas anteriores e na própria declaração de Kubrick, trata-se de uma obra essencialmente subjetiva, ou seja, que tem com cada espectador uma relação única, particular, que dependerá, entre outras coisas, da própria experiência existencial, sensorial e estética do sujeito envolvido.

Sendo assim, continuo essa pequena viagem pelo filme inicialmente relatando a ação da terceira e da quarta partes, procurando me ater ao que vemos na tela sem tentar, nesse primeiro momento, especular, analisar ou interpretar. Faço isso da forma mais breve possível e por dois motivos principais: para relembrar ao leitor que não tem fresco o filme na cabeça e para facilitar a própria continuação do texto, que tomará como pressuposto que estão todos familiarizados com as principais cenas do filme (ou seja, todas). Aliás, verão que mesmo nessa breve descrição tomei a liberdade de analisar a fundo uma cena específica, por considerá-la emblemática não só para o filme, mas para a compreensão do gênio cinematográfico de Kubrick. (Caso não tenha lido a primeira e a segunda partes dessa Odisséia, faça-o clicando aqui e aqui.)

MISSÃO JÚPITER
A terceira parte do filme, Missão Júpiter (18 Meses Depois), começa e somos apresentados ao astronauta Frank Poole, que se exercita no interior da espaçonave Discovery, enquanto outro, David Bowman, se alimenta. Também somos informados da presença de mais três astronautas em estado de hibernação.

Em seguida, entra em cena HAL 9000, o mais perfeito computador já concebido, que controla todas as funções da nave e a missão em geral e que, segundo somos informados, imita a maior parte das atividades do cérebro humano, além de ser à prova de falhas. Tudo segue relativamente bem até que HAL anuncia uma falha num dos sistemas, que ocorreria em 72 horas. Decide-se, então, ir ao espaço para a retirada da peça para que seja verificada. Não há nada errado com a peça. A central da missão, na Terra, diz que houve erro de HAL, que o alarme fora falso e que o irmão gêmeo de HAL na Terra endossava essa opinião.

HAL insiste que está correto e que é absolutamente incapaz de errar. Diz que certamente está havendo um ‘erro humano’ e ressalta que tem um “histórico operacional de absoluta perfeição”. Os dois astronautas, frente a esta inesperada situação, decidem conversar sobre o assunto e para isso se trancam numa cápsula e desligam os microfones para que HAL não escute o que estão dizendo. Decidem desligá-lo, mas não sabem que HAL consegue entender o que dizem através de leitura labial. Dá-se o intervalo.

INTERVALO PARA APRECIAR KUBRICK
Aqui também faço uma pausa na descrição da ação do filme para dizer que aí está uma das mais brilhantes cenas da história do cinema. Kubrick a monta de maneira absolutamente econômica, tensa e genial. A partir do momento em que os astronautas estão na cabine, são apenas cinco enquadramentos para quatro minutos de ação. Stanley começa a cena com o plano-detalhe dos controles de microfones sendo desligados, então há um corte para a tensa conversa de Bowman e Poole, filmada no mesmo enquadramento fixo. O enquadramento, que mostra ambos dentro da cápsula e ao fundo alguns controles da nave, vistos através de um vidro oval, nos dá, inicialmente, uma sensação de segurança (compartilhada pelos astronautas). Mas o corte não vem e a conversa se alonga. Tocam, então, no assunto de desligar HAL.

Temos, então, um corte para um plano aproximado no qual vemos com mais detalhes os mecanismos antes vistos ao fundo do plano geral que dominara a cena. Não sabemos ao certo o que são. Kubrick utiliza esse plano para instaurar uma primeira dúvida e uma leve apreensão: será que HAL não está mesmo ouvindo? Mas rapidamente retorna ao enquadramento principal e à conversa dos astronautas, que não deixou de ser ouvida pelo espectador no plano anterior. A conversa continua. Há, então, outro corte para um plano detalhe do grande olho de HAL. Não mais ouvimos o som da conversa e sim o silêncio do ambiente, ou seja, não estamos mais na cabine: estamos do lado de fora. Utilizando o áudio, Kubrick nos prepara para o que virá. Nos perguntamos: “Então HAL ouve a conversa? Não é possível! Mas como?”.

Há, então, o último corte e estamos agora vendo em um plano aproximado os lábios de um dos astronautas se movendo seguido de um movimento lateral de câmera, que encontra os lábios do outro astronauta. O movimento lateral e o recorte dos lábios denunciam a câmera subjetiva: assumimos o ponto de vista de alguém. HAL lê os lábios. Kubrick demonstra seu completo domínio e controle da narrativa fílmica numa cena de poucos planos e enquadramentos, mas de várias e riquíssimas intenções narrativas e plenas intenções dramáticas. Uma cena kubrickiana por excelência.

HAL ATACA
Pois continuemos com a breve descrição do filme. Após o intervalo, vemos HAL iniciar sua ofensiva contra os astronautas. Inicialmente, ataca Poole quando este está no espaço para repor a peça antes retirada. Bowman, então, pega outra cápsula e vai atrás do amigo. Enquanto isso, dentro da nave, vemos HAL desligar as funções que mantinham vivos os astronautas hibernados. Então, nega o pedido de Bowman para deixá-lo entrar novamente na nave. HAL assume o controle da missão dizendo a Bowman que a mesma “é importante demais para que humanos a coloquem em risco”.

Bowman consegue entrar na nave abrindo mecanicamente o compartimento e realizando um movimento ousado e corajoso. Prevendo o que estava para acontecer, HAL começa a se desculpar, assumindo o mau comportamento e prometendo voltar ao ‘normal’. Dave não se comove e procede ao desligamento de HAL, que pateticamente implora por sua ‘vida’ e, em seus momentos finais, entoa a canção Daisy. Vemos uma gravação onde a missão é explicada como sendo uma jornada a Júpiter, de onde teria vindo o primeiro sinal de vida inteligente fora da Terra.

Começa, então, o episódio final de 2001: Júpiter e Além do Infinito. Ao som de Atmosphères, de Gyorgy Ligeti (compositor contemporâneo muito utilizado por Kubrick em vários de seus filmes: é dele, por exemplo, o sinistro tema de piano da cena da orgia em De Olhos Bem Fechados), vemos, primeiro, o monolito passeando pelo espaço. Então vemos a nave de Bowman atravessando o que parece ser um túnel, um grande portal onde luzes e efeitos visuais os mais diversos se interpõem a imagens da superfície do planeta. Closes das pupilas de Bowman são intercalados com toda a ação.

A nave parece ter pousado. Vemos um quarto semelhante àqueles da aristocracia do século 18, mas com uma iluminação e um clima basicamente ascéticos, clean, e, portanto, modernos. Os olhos de Bowman revelam-se enrugados. Ele percorre o quarto e vê a si mesmo mais velho, numa mesa, comendo e bebendo vinho. Seu outro eu deixa cair a taça, que se quebra. Ao abaixar-se para pegá-la, vê novamente a si mesmo numa cama, ainda mais velho, aparentemente próximo à morte. Esse terceiro Bowman levanta o braço apontando para o monolito, que está a sua frente. Na cama, agora, vemos um círculo luminoso com o que parece ser um feto dentro. A câmera se move em direção ao monolito e passeia pelo espaço. Ao som de “Assim Falou Zaratustra” vemos novamente o círculo com o feto, que parece girar ao redor do espaço.

AFINAL, O QUE ISSO TUDO SIGNIFICA???
Como sabem, há dezenas de leituras para 2001 – Uma Odisséia no Espaço, desde as mais simples às mais complexas e intrincadas. Uma famosa leitura, por exemplo, é a partir da Odisséia de Homero como base para leitura da Odisséia de Kubrick. Para começar, há a óbvia relação entre os nomes, que não é mera coincidência. Vejamos o que Kubrick diz sobre isso: “Nos ocorreu que, para os gregos, as vastas extensões do mar devem ter sido tão misteriosas e remotas quanto o espaço para nossa geração, e que as longínquas ilhas visitadas pelos maravilhosos personagens de Homero não eram menos remotas para eles do que são para nós os planetas onde nossos astronautas irão logo pousar”.

Trata-se de uma leitura com muitas possibilidades – para a qual, confesso, eu necessitaria de um maior mergulho na obra de Homero (que li apenas uma vez e há anos). Mas só o fato de sabermos que a Odisséia foi, de fato, uma fonte de inspiração direta para Kubrick e Arthur C. Clarke, já torna possível pensar em algumas ligações ou, pelo menos, possíveis fontes de inspiração para alguns dos elementos do filme. A própria estrutura de Odisséia: no filme, Bowman seria Ulisses e HAL seria uma espécie de ciclope do futuro, que tem de ser vencido. E o homem vai ao espaço atraído pelo canto da sereia, que poderia ser o chamado ao espaço realizado pelo ruído sonoro que sai do monolito quando este é fitado pelo homem na Lua.

Como podem ver, a coisa pode ir longe por este caminho, mas ele é apenas um deles. Há, por exemplo, tentativas de leituras um pouco mais ‘fechadas’ da obra, que, como veremos a seguir, têm suas virtudes, mas também – e não poderia deixar de ser diferente – suas limitações. Apresentarei aqui uma das interpretações que mais sucesso faz na Internet hoje em dia: ela pode ser vista em flash neste site. Tentarei, aos que não quiserem acessá-lo e para enriquecer nosso debate, expor essa interpretação.

O CO(R)PO
Há quatro milhões de anos, um visitante extraterrestre coloca um monolito próximo a macacos adormecidos. As características dessa espécie de macacos são: medo, curiosidade e coragem, características estas (e não a influência do monolito) que levaram o macaco à invenção da ferramenta. O tempo passa e ocorre a evolução do homem, enquanto espécie, atrelada à evolução da ferramenta. O ser humano está atingindo o ápice de sua evolução (e de suas ferramentas). Ele chega ao espaço.

Mas algo está errado, visto que, no espaço, o homem perde o controle de suas ferramentas: não segura a caneta, se alimenta de papinha e tem de reaprender a andar e a ir ao banheiro (me referi a esta leitura na coluna passada). O homem se depara novamente com o monolito na Lua e não demonstra medo e nem surpresa. A raça humana ainda tem muito a aprender. O monolito é uma sentinela, que vigia e observa até que ponto o homem evoluiu.

Dezoito meses depois, uma nova criatura habita o espaço: HAL. Trata-se de uma nova espécie, cujas funções seriam ser o cérebro e o sistema nervoso da Discovery. A função do homem é questionada. Para que servem? Do ponto de vista de HAL, são seres inferiores, entediados e entediantes, com seus jantares pré-aquecidos, bronzeamento artificial, facilmente derrotáveis no xadrez e vulneráveis a ponto de precisarem estar quase mortos (hibernados) para conseguirem viajar. Os humanos seriam apenas técnicos de manutenção no final de seus processos evolutivos. A ferramenta de última geração não mais necessita desses macacos.

HAL, então, comete um erro. Ele prevê incorretamente a falha total da antena da aeronave. A tripulação decide, ao descobrir o erro de HAL, desligá-lo. Porém, o Homem perdeu o controle de suas ferramentas: HAL pensa que está vivo. Começa a batalha entre o Homem e suas ferramentas. HAL mata o astronauta e os outros que hibernam, além de impedir a entrada de Dave. O computador vence. Será? HAL calculou mal a coragem e a engenhosidade daqueles velhos macacos e Dave está de volta. Então o homem mata o computador com a mais simples das ferramentas: a chave-de-fenda. Com a destruição de HAL, o Homem encerra mais um processo evolutivo; venceu a batalha contra suas ferramentas.

Agora, sozinho no espaço, ele se prepara para enfrentar o desconhecido. E as forças que o trouxeram até aqui estão esperando por ele. Estamos no Quarto (leia-se: a 4a dimensão, o tempo), o palco para o desafio final do homem: sua própria morte. Ele se vê velho, fazendo a última ceia. O copo está quebrado, mas o vinho ainda está lá. Recipiente e conteúdo; corpo e espírito. O espírito permanece. A evolução do homem dependeu tanto de sua tecnologia que ela quase o destruiu. Agora que venceu a luta contra as ferramentas, o que sobrou de você? A luz não morre. O universo é infinito. O homem está próximo do passo seguinte na evolução. Seu corpo é deixado de lado. Nasce a criança-estrela.

O MONOLITO
Embora, como tenha dito, essa leitura apresente vários pontos interessantes, acho que empobrece bastante o alcance da obra, tentando reduzi-la a uma metáfora lógico-científica. Por exemplo, ao classificar o monolito como sendo simplesmente uma “sentinela” dos extraterrestres para monitorar o percurso e a evolução do homem (idéia claramente inspirada no conto The Sentinel, do co-roteirista Arthur C. Clark, que deu origem ao roteiro do filme), essa perspectiva retira o grande poder simbólico-filosófico que esse monolito apresenta quando visto sob ótica, digamos, mais amplas.

Ora, sabemos que o monolito aparece em quatro oportunidades: na Alvorada do Homem (há milhões de anos); enterrado na Lua (também há milhões de anos, segundo estabelecido no filme); vagando pelo espaço no início da quarta parte; e no Quarto, ao final do filme. Ou seja, é algo onipresente (por estar em vários lugares e dimensões ao mesmo tempo), onisciente (por testemunhar todos os momentos-chave da evolução do Homem) e onipotente (por influenciar e de alguma forma agir em todos esses momentos, tempos e dimensões diferentes). Alguém aí é capaz de me dizer quem ou o quê nós ‘conhecemos’ capaz de reunir todas essas três características?

Sim, Ele, Deus. Ou a Força ou mesmo a entidade metafísica por excelência, o que preferirem. Mas aí a coisa se complica. Então o monolito é Deus? Não exatamente. Ao menos, nunca foi essa a intenção explícita de Kubrick. Para ele, como disse em várias oportunidades, o monolito é algo deliberadamente introduzido na Terra por extraterrestres com o interesse, entre outros possíveis, de exercer influência sobre a evolução do Homem (o que não impede uma leitura neste sentido da divindade: como o próprio autor diz, estamos livres para especular. Inclusive, acho possível, sim, uma interpretação religiosa para o filme, embora definitivamente não seja a minha). Os extraterrestres, então, não só nos observam como nos guiam em direção a, quem sabe, o passo final na evolução do Homem.

Poderíamos ler, então, que, embora acreditemos (a maioria de nós) em um Deus, poderíamos estar sendo guiados na verdade por outras formas de vida inteligente? Como distinguir uma coisa de outra? E por que essa forma estaria interessada em nos guiar no caminho da superação do estado de espécie humana mortal, temporal e frágil, para outro mais evoluído, o do homem-estrela? Seria uma visão otimista desses possíveis seres de outras galáxias e dimensões? Sim, eu acredito, otimista em relação às outras civilizações e (eu diria) pouco entusiasmada em relação ao Homem por si mesmo. E isso fica mais claro quando analisamos como Kubrick conduz a narrativa do ponto de vista da empatia com os personagens.

OS PERSONAGENS HUMANOS
Em primeiro lugar, não há um só ator realmente famoso (pelo menos até então) em 2001. E qual a razão disso? Kubrick não queria a empatia do público para com os personagens humanos. E isso fica claro em toda a seqüência da Discovery: HAL é um personagem muito mais rico em todos os pontos de vista, principalmente do dramático: conflituoso, cínico, dissimulado, sinistro, ambíguo e esperto. Nós nos “identificamos” muito mais com HAL do que com os dois seres humanos da nave, que são insípidos e desinteressantes. E isso é deliberado da parte de Kubrick.

Além disso, ao associar os momentos-chave de superação do homem à influência do monolito, Kubrick estaria dizendo indiretamente que o homem não é capaz de alcançar o estágio do homem-estrela ou do “anjo” (como ele mesmo já descreveu em entrevistas) ou do super-homem sozinho, mas somente com interferência (ou ajuda, inspiração) direta de forças externas (extraterrestres, a idéia de Deus ou ambos). Apenas seria capaz de lidar sozinho com aquilo que ele mesmo criou: as ferramentas - e por isso Bowman se viu só no espaço em sua luta contra HAL. O homem venceu o desafio contra sua ferramenta, mas continua sozinho no espaço, esperando a morte certa. Não fossem o chamado de Júpiter e a ‘ajuda’ simbolizada novamente pelo monolito, o homem jamais alcançaria a evolução total como o fez. (E é tão forte a importância do monolito nesse sentido que, quando Bowman se transforma na esfera luminosa com o feto e está em cima da cama no Quarto, a câmera toma seu ponto de vista e ele/ela vai em direção ao monolito para, aí sim, retornar ao espaço enquanto forma superior; o homem, recém-transformado em homem-estrela, só pode retornar ao espaço através do monolito, que, nesse sentido, tem um papel central em toda a odisséia, não podendo ser apenas um sentinela, como postula a interpretação daquele site).

Nesse ponto, acho que talvez perderia força uma das mais tradicionais interpretações de 2001: a interpretação a partir da filosofia de Nietzsche - mais precisamente do livro Assim Falou Zaratustra. As conexões são muitas e bastante férteis. Das mais óbvias (como o fato da música de Strauss, que pontua momentos-chave do filme, se chamar Assim falou Zaratustra) até ligações simbólicas mais complexas, inferidas através de vários aforismos do livro de Nietzsche que rimam poética e filosoficamente com muitas das questões colocadas pelo filme.

Porém, se formos fazer uma relação muito direta, tentando ler todo o filme a partir de Nietzsche, a leitura fica simplificada e muito difícil de ser sustentada. A idéia do super-homem nietzschiano pode, sim, ser rimada com a do homem-estrela kubrickiano, já que ambas postulam um estágio superior do desenvolvimento do homem. Mas como conciliar a idéia nietzschiana de vontade de potência, fundamental para o caminho do homem rumo ao seu estágio superior, com o homem pouco potente e dependente de externalidades físicas (ou metafísicas) apresentado por Kubrick?

Por esta razão, defendo que há, sim, influência de Nietsche em 2001, mas esta não é preponderante e nem definitiva para uma pretensa ‘interpretação’. Ela constitui uma forte fonte de inspiração artística, poética e filosófica para obra, assim como várias outras que aqui citei ou mesmo outras que ignorei por falta de espaço ou simplesmente por desconhecimento.

E inicio minha despedida dizendo, primeiramente, que por mais que eu dedique Moviolas e Moviolas a 2001 (e, acreditem, tenho vontade de fazê-lo), sempre terminarei a coluna com a percepção de que foi insuficiente. Mas como tudo deve, de uma forma ou de outra, acabar, termino dizendo que sempre achei que 2001 era para ser um filme sobre evolução e vida extraterrestre, mas que, de tão majestoso e brilhante, acabou se tornando uma obra de arte única que fala sobre tudo o que de mais importante o ser humano tem ou teve, viveu ou viverá. Por isso, insisto, a tentativa de ‘explicar’ o filme de maneira definitiva é um exercício fútil que para nada serve além de diminuir a obra e demonstrar uma profunda incompreensão sobre sua dimensão artística. É como explicar Os Girassóis de Van Gogh ou a Mona Lisa de Da Vinci, ou mesmo tentar explicar sentimentos mais pessoais e complexos como o amor. Não se explica o amor, mas pode-se falar sobre ele; não se entende o amor, mas pode-se tentar, eternamente, entendê-lo.

E falar sobre filmes como 2001 é um pouco disso: é bom, mas angustiante; extremamente frutífero, mas, de alguma maneira, sem sentido. Uma das funções maiores da arte, se é que podemos pensar em arte como tendo alguma ‘função’, é justamente funcionar como uma grande metáfora da vida no que ela é, já foi ou poderia ser, ou seja, da vida em toda sua plenitude e, principalmente, em sua potencialidade. Sendo assim, a grande manifestação artística – e sua conseqüente apreciação e reflexão – ganha todo o seu sentido justamente ao não apresentar sentido aparente: a sua função é a de existir, e seu sentido maior está contido nela própria (mesmo se dando de maneiras diferentes para cada um que com ela entre em contato).

Sendo assim, encerro dizendo que o sentido de 2001 é o de simplesmente existir. Hoje e sempre.

Abraços a todos e até próxima edição de Moviola!

Bibliografia consultada e/ou indicada:

FALSETTO, Mario. Staney Kubrick: A Narrative and Stylistic Analysis. London: Praeger, 2001.

KAGAN, Norman. The Cinema Of Stanley Kubrick. New York: Continuum, 2000.

LABAKI, Amir. 2001: Uma Odisséia No Espaço. São Paulo: Publifolha, 2000.

RASMUSSEN, Randy. Stanley Kubrick: Seven Films Analyzed. North Carolina: McFarland & Company, Inc., 2001.

Breve história da Filosofia da Arte

MOMENTO CLÁSSICO: PLATÃO – A ARTE COMO IMITAÇÃO

Arte é imitação da imitação. O importante é viver. Um sujeito que nunca foi à guerra não pode fazer um filme de guerra.


MOMENTO MODERNO I: KANT – A AUTONOMIA DA ARTE

A arte é autônoma, ela se eqüivale a uma experiência de vida, um cineasta não precisa ir a guerra pra fazer um filme de guerra.


MOMENTO MODERNO II: HEGEL – A MORTE DA ARTE

Não dá mais pra se abstrair do mundo e pensar o mundo. Há muitas distrações para o espirito. Ora, se o que fazia a obra de arte ser uma obra de arte era o espírito, e agora o espírito, a razão, encontra uma nova forma de se manifestar e refletir sobre si mesmo, ele deixa a obra de arte e neste momento ela morre.


MOMENTO CONTEMPORÂNEO: HEIDEGGER – A ARTE COMO VERDADE

Antes de artista ou obra de arte, se dá a própria arte. Mais do que isso: o artista se retrai no surgimento da obra que é, em essência, o pôr-se em obra da verdade. De fato, Heidegger define a arte como “o pôr-se em obra da verdade”. A arte acontece no momento em que uma verdade é posta em obra.

O inconsciente coletivo

O Inconsciente Coletivo foi a grande descoberta de Carl Gustav Jung. Segundo ele, o inconsciente coletivo é a camada mais profunda da psique e constitui-se dos materiais que foram herdados da humanidade. É nesta camada que existem os traços funcionais como se fosses imagens virtuais, comuns a todos os seres humanas e prontas para serem concretizadas através das experiências reais. É nessa camada do inconsciente que todos os humanos são iguais. A existência do inconsciente coletivo não depende de experiências individuais, como é o caso do inconsciente pessoal, porém, seu conteúdo precisa das experiências reais para expressar-se, já que são predisposições latentes.

Jung chamou de arquétipos a estes traços funcionais do inconsciente coletivo. Salienta ele: “ Existem tantos arquétipos quantas as situações típicas da vida. Uma repetição infinita gravou estas experiências em nossa constituição psíquica, não sob a forma de imagens saturadas de conteúdo, mas a princípio somente como formas sem conteúdo que representavam apenas a possibilidade de um certo tipo de percepção e de ação.

O inconsciente

O inconsciente define um complexo psíquico (conjunto de fatos e processos psíquicos) de natureza praticamente insondável, misteriosa, obscura, de onde brotariam as paixões, o medo, a criatividade e a própria vida e morte.
O conceito de inconsciente de Carl Gustav Jung se contrapõe ao conceito de subconsciente ou pré-consciente de Freud. O pré-consciente seria o conjunto de processos psíquicos latentes, prontos a emergirem para se tornarem objetos da consciência. Assim, o subconsciente poderia ser explicado pelos conteúdos que fossem aptos a se tornarem conscientes (determinismo psíquico). Já o inconsciente seria uma esfera ainda mais profunda e insondável. Haveria níveis no inconsciente mesmo inatingíveis.
Jung separou o inconsciente pessoal do inconsciente coletivo. Hoje, não existe consenso sobre se realmente existe um inconsciente coletivo, igual ou distribuído igualmente entre todas as culturas e povos. Mas os estudos de mitologia/religião comparada, de todos os povos e de todas as épocas da humanidade, dão fortes indícios e força a esse modelo. Cabe aqui citar um grande nome nessa área, Joseph Campbell, autor do livro The Power of Myth. Seus estudos reforçam o modelo de inconsciente coletivo de Jung.
[editar]Comentários sobre a necessidade de um inconsciente

A noção de um inconsciente pode estar atrelada firmemente à crença em um tempo físico e objetivo, inviolável e inalterável. Devido à experiência subjetiva da "flecha do tempo" ou à impossibilidade de revertermos a direção que nossas ações tomam no tempo - mesmo que o mesmo seja um construto - tornar-se-ia necessária a especulação de uma região indefinida e incognoscível, rotulada dualisticamente de inconsciente, como contraposição à experiência da autoconsciência.
Essa necessidade seria praticamente uma exigência da manutenção da linearidade causal. Se a mesma não fosse necessária, ou se dispuséssemos de outros modelos igualmente explicativos, não seria necessário o modelo do inconsciente. Atualmente, a física quântica aparentemente está questionando a existência de algo fora da atualidade atemporal do observador, devido ao seu tratamento probabilístico daquilo que simplificadamente se intitula de realidade. Diversos fenómenos mentais, tais como sonhos, intuições, processos criativos e mesmo cognitivos podem, talvez, ser muito mais facilmente compreendidos se a linearidade causal não for uma necessidade.
Eventualmente o próprio tempo seria apenas um construto dependente da forma pela qual o cérebro-mente organiza diversas experiências em uma linha dita causal. Isso pode ser observado em pessoas portadoras de transtornos das mais variadas espécies, que apresentam ordenações, nesse construto, nem sempre lineares, o que as leva a serem qualificadas como patológicas em diversos níveis. Em crianças de tenra idade, é possível também observar que as mesmas se comportam como se a sua linearidade ainda estivesse em processo de construção.
Assim, e então como exigência de consistência nesse modelo de tempo físico e irreversível, torna-se-ia necessária a construção da idéia de um inconsciente. Uma solução interessante para contornar a exigência de linearidade desse construto é a mudança de domínio do tempo para o domínio da frequência.
Uma vez que o observador (autoconsciência, eu (não o ego), self, ou a própria experiência da ciência como o estado de estar ciente ) passasse a organizar suas percepções pelo critério da frequência e não do tempo, muitos fenômenos mentais tornariam-se mais facilmente compreensíveis.
Mas, por outro lado, as noções de tempo e espaço seriam então necessáriamente colocadas em segundo plano. O inconsciente deixaria de ter necessidade de existir porque o tempo que o limita deixaria de ser um fator significativo.
Tornaria-se mais interessante, mais conseqüente e mais consistente então falar de um não-consciente em contraposição à concepção nebulosa de um inconsciente misterioso, inacessível, incógnito, indecifrável, verdadeira cornucópia de soluções, na maioria das vezes absurdas para as mais diferentes mazelas provenientes de uma crença na causalidade absoluta e da incapacidade de conceber o tempo - e sua seqüela, o espaço - como construtos mentais humanos e não como realidades físicas independentes do observador.
O ser humano poderia passar então a viver mais na atualidade, colocando acessos a outros tempos e espaços (eventos) como igualmente construtos, mas não determinismos, principalmente de um inconsciente, seja ele pessoal ou coletivo, mas sempre nebuloso.

Carl Jung


O psiquiatra suíço que mergulhou em visões e sonhos e mudou a forma como entendemos a consciência

Você certamente sabe se é uma pessoa introvertida ou extrovertida. Ou se alguém da sua família - talvez você mesmo - tem algum complexo: de inferioridade, de superioridade ou de feiúra.Também já deve ter ouvido falar do inconsciente coletivo. Ou, quem sabe, dos arquétipos e da importância dos símbolos nos sonhos. Pois saiba que, se hoje você usa todos esses conceitos com naturalidade, há 100 anos eles causaram uma revolução na incipiente história da psicologia. E o causador desse furacão chamava-se Carl Gustav Jung.

Um dos fundadores da psicanálise e nascido na Suíça há 130 anos, Jung abriu uma janela entre a psicologia e a espiritualidade, além de criar conceitos e testes psicológicos usados até hoje nas sessões de terapia.

E, para entrar no clima junguiano, falemos de seu assunto preferido: sonhos. Não de qualquer sonho, mas sim daquele que influiu em sua teoria sobre o inconsciente comum da humanidade, ou inconsciente coletivo, uma das pedras angulares do seu pensamento. Era o ano de 1909 e o jovem psiquiatra Carl Jung estava em viagem pelos Estados Unidos com Sigmund Freud, seu colega e mestre, 20 anos mais velho e médico neurologista.

Jung sonhou com uma casa, que ele sabia ser sua casa,embora fosse diferente da sua moradia real. Segundo sua interpretação posterior, a casa era um símbolo dele mesmo, com seus diferentes níveis de consciência. No andar mais alto havia uma sala bem mobiliada com móveis de estilo rococó. Para Jung, isso era uma representação de seu nível consciente. Descendo as escadas, viu outro andar, na penumbra, com móveis mais antigos em uma instalação medieval, o que ele interpretou como sendo o começo de seu inconsciente. Descendo outro lance de escadas, encontrou um porão, com paredes características da época romana, que ele considerou um nível ainda mais profundo do inconsciente.No piso empoeirado, viu um alçapão que o conduziu a uma gruta, onde encontrou ossadas, vasos de cerâmica e vestígios de uma civilização primitiva. Ali, Jung finalmente descobriu dois crânios, meio desintegrados, que fariam parte do último extrato de consciência, representando camadas muito antigas. Depois disso, acordou.

No período de sete anos que durou sua amizade, Jung e Freud analisavam mutuamente seus sonhos. Quando contou o sonho da casa a Freud, este o interpretou segundo suas teorias, focalizando nos crânios, que, para o velho mestre, poderiam significar desejos secretos de morte. Jung discordou. Ele estava mais interessado no conjunto integral das imagens do sonho. E, a partir dele, concluiu que o inconsciente seria mais que um depositário de desejos reprimidos expressos em sonhos, como acreditava Freud.Embora não negasse a existência do inconsciente individual, Jung acreditava em um inconsciente maior, mais profundo, não pessoal, comum a todos os homens e culturas (era o que sugeriam os vários andares, com representações de várias fases históricas da cultura ocidental). A isso ele chamou de inconsciente coletivo.

Segundo Jung, esse inconsciente se exprime por meio de símbolos,que vêm à tona em sonhos, mitos e expressões artísticas. Todos os seres humanos, de qualquer povo, diz ele, compartilham os mesmos símbolos, mas em cada cultura eles têm roupagens próprias. A essas fôrmas comuns ele deu o nome de arquétipos.

A divergência entre os dois azedou a relação. Em 1913, Jung rompeu com seu mestre, e nunca mais os dois se entenderam. "Freud era um típico cientista de gabinete do século 19, enquanto Jung é um cientista do século 21, que viajou pelo mundo, integrou conhecimentos de várias áreas e experimentou nele mesmo suas teorias", diz o psicólogo paulista José Roberto Prazeres, que coordenou grupos de estudos junguianos.

Não causa surpresa o fato de que dois homens brilhantes discordassem tanto. O estudo da consciência humana é controverso por natureza. Há poucas evidências e sobram deduções. Afinal, como explicar o que se passa na cabeça dos outros com objetividade, se os elementos para trabalhar são os relatos subjetivos de cada um sobre os próprios pensamentos e emoções? Não é por acaso que a psicologia sempre foi criticada pelos cientistas, em especial os neurocientistas, que, embora saibam pouco sobre a mente, olham com desconfiança as teorias propostas pelos psicólogos. A recíproca é verdadeira. Terapeutas e analistas questionam igualmente os parâmetros (limitadores, segundo eles) impostos pela ciência.

Cobaia de si mesmo
Jung conhecia todas essas dificuldades. Assim,para ter acesso total ao resultado da aplicação de suas teorias, decidiu experimentá-las em si mesmo. Foi o que fez. Durante cinco anos, enquanto levava sua vida normal como pai de família e diretor do Hospital Psiquiátrico de Bugholzli, em Zurique, anotou seus sonhos e insights. E em 1913 resolveu mergulhar no próprio inconsciente, uma viagem que ele realizou como se entrasse em um sonho, quase hipnoticamente. É bom dizer que o médico sempre teve esse tipo de visões.Mas dessa vez, em vez de afugentá-las, partiu em sua direção.
"Foi no ano de 1913 que decidi tentar o passo decisivo - no dia 12 de dezembro. Sentado em meu escritório, considerei mais uma vez os temores que sentia, depois me abandonei à queda. O solo pareceu ceder sob meus pés e fui como que precipitado numa profundidade obscura. Não pude evitar um sentimento de pânico.Mas, de repente, sem que ainda tivesse atingido uma grande profundidade, encontrei-me, com grande alívio - de pé, numa massa mole e viscosa. A escuridão era quase total", descreveu.

Lá, Jung teve inúmeras visões, que posteriormente ele interpretou como arquétipos.Mas, para nós, o important é que, no fundo desse local escuro, ele viu o brilho intenso de um sol vermelho nascendo. Para ele, significava que no inconsciente mais profundo havia algo muito bom, uma salvação. E Jung dedicaria sua vida para procurá-la.

Afinal, a teoria
Jung concordava, como dizia Freud, que, quando um paciente entendia racionalmente o motivo pelo qual um símbolo aparecia em seus sonhos, esse símbolo perdia seu poder perturbador. Se um paciente, por exemplo, tivesse um sonho recorrente com uma bruxa que o perseguia, tanto Freud quanto Jung começariam perguntando se a emoção provocada pela bruxa lembrava algum episódio da vida real (por exemplo,um repreensão severa sofrida na escola). Depois, paciente e psicólogo investigariam esse incidente, tentando entender por que o episódio perturbava (digamos que, na lembrança do paciente, a professora fosse muito cruel ou brava). Pronto. Os dois médicos acreditavam que, revelado à luz da razão, o símbolo perdia seu poder. Se aquele episódio fosse de fato a causa da imagem da bruxa, ela em breve desapareceria dos sonhos.
A diferença é que, para Freud, a força por trás dos sonhos eram sempre desejos reprimidos, principalmente sexuais. Para Jung, não. Ele acreditava que os símbolos podiam expressar um desejo interno de compreensão - isto é, apareciam em sonho justamente para serem entendidos.

E como essa compreensão acontecia? Jung dizia que, se não fossem manifestados conscientemente, poderiam lançar "sombras" em outras pessoas ou situações. Ainda no exemplo da bruxa, essa imagem poderia dificultar, inconscientemente, o relacionamento do paciente com mulheres mais velhas (mãe, chefes), que poderiam ser consideradas ameaçadoras. Ou seja, essas projeções turvavam a visão da realidade. Com o tempo, o indivíduo poderia desenvolver uma neurose, isto é, um desvio do entendimento do que é real. A neurose, acreditava Jung, tinha uma vantagem: ela pressionava para que o problema fosse resolvido.

Segundo o suíço, o inconsciente enviava símbolos à tona para que a mente consciente fosse, aos poucos, compreendendo e integrando todo seu conteúdo submerso. Era uma atividade natural da psique, pensava Jung. Era assim que a personalidade total do indivíduo se desenvolvia e amadurecia: integrando os símbolos do inconsciente. Com esse aumento de compreensão, automaticamente a consciência se ampliava. Esse processo, que ele chamou de individuação, era acelerado pela análise dos sonhos e dos símbolos neles contidos.

Difícil? Pois tem mais. Jung dizia que esse aí que você chama de você, esse você consciente, não é você. Esse você, que ele chamou de ego, era apenas parte da su consciência.Quem comanda mesmo sua mente, tanto a consciente quanto a inconsciente, é o si-mesmo, uma unidade psíquica maior e mais importante que o ego. O si-mesmo (ou self, termo também usado pelos junguianos) é o ponto central da psique total do indivíduo. É ele, segundo Jung, que envia os símbolos à sua consciência para serem interpretados e revelados. Tudo para ampliar sua consciência sobre si mesmo e fazer você amadurecer psicologicamente.

Imagine um galpão às escuras, à exceção de um círculo iluminado por uma única lâmpada. Segundo Jung, o self é o dono do galpão, o único que sabe tudo o que existe lá dentro. A área escura é o inconsciente. E lá no meio, em um pequeno círculo iluminado, está você, o ego, lendo VIDA SIMPLES. Aos poucos, o self traz as coisas mais perto da luz para que o ego as vislumbre. São os sonhos. Conforme vamos tomando consciência dessas coisas, as luzes sobre elas vão se acendendo, e a consciência vai se ampliando, até que todo o galpão se ilumina. De volta às palavras de Jung, esse é o momento em que o si-mesmo se realiza plenamente, a pessoa tem um sentimento de totalidade,de integração com o Universo e com os outros. Assim se concretiza a tarefa da sua existência humana: atingir a totalidade.

Sigmund Freud


É de todos conhecido, que a psicanálise, como terapia e como teoria foi uma criação de Sigmund Freud, que, nos finais do século XIX, pôde observar nos seus pacientes neuróticos, que a maior parte das perturbações emocionais se deviam à existência de problemas sexuais reprimidos, embora, o conceito de sexualidade tivesse para ele um significado muito mais vasto do que lhe era atribuído pela linguagem comum. Segundo Freud, a sexualidade não se deve identificar com a “genitalidade”, embora esta esteja incluída naquela.

A sexualidade seria para Freud, todo o tipo de comportamento que resultasse fisicamente gratificante, que produzisse sensações de prazer e, portanto, abrangeria toda a actividade instintiva relacionada com as necessidades corporais. A partir desta ideia básica, a concepção de Freud sobre o homem mudou consideravelmente à medida que o trabalho desenvolvido com os seus pacientes neuróticos lhe ia apresentando novos dados (é sabido que Freud tratou alguns casos de histeria, perturbação que, segundo ele, tinha como causa a repressão da actividade sexual, sobretudo nas mulheres). Não esqueçamos que estávamos em plena época vitoriana e as mulheres não tinham, nessa altura, os mesmos direitos que os homens em termos da manifestação dos seus desejos sexuais, para além de outros. As mulheres sobretudo as casadas, eram tidas como objectos sexuais, que não deviam, por questões éticas e morais da época, manifestar desejo ou prazer no acto sexual.

Por volta de 1920 Freud elabora então uma teoria da personalidade que se tornou definitiva e que constituiu uma verdadeira revolução quanto ao modo de estruturação do nosso psiquismo.

Segundo ele, seriam três as instâncias básicas da personalidade: o Id, o Ego e o Superego. Freud não quis afirmar que o psiquismo humano era constituído por três partes, porque não foi isso que ele observou no comportamento perturbado ou normal dos seus pacientes; a sua genialidade consistiu em encontrar nesses comportamentos uma série de estruturas ou leis valendo-se dos três conceitos a que acima fizemos referência.

Estes conceitos revelaram-se de extrema utilidade para explicar ordenada e sistematicamente os fenómenos psíquicos, não fosse Freud, para além das suas competências na área da Medicina um excelente escritor.

O Id seria o conceito que designaria os impulsos, as motivações e desejos mais primitivos do ser humano. Para Freud, em grande parte, esses desejos seriam de carácter sexual, tendo em mira o prazer. No início, o ser humano seria todo ele Id, já que nessa altura o organismo humano não busca mais que a satisfação das suas necessidades instintivas e através delas o prazer. O Id como tal é inconsciente, embora procure alcançar a consciência para desse modo conseguir a realização dos seus desejos. O recalcamento, ou repressão é o mecanismo de defesa que impede, caso ocorra, a tomada de consciência do Id. Este mecanismo defensivo mantém o Id numa situação inconsciente quando os desejos que lutam por realizar-se não estão de acordo com o Ego ou o Superego. Freud, a partir de 1920 passa a atribuir também muito importância não só aos desejos sexuais mas também aos desejos agressivos do Id.

O Ego é o conceito que Freud utiliza para designar o conjunto de processos psíquicos e de mecanismos através dos quais o organismo entra em contacto com a realidade objectiva. O Ego seria um guia do comportamento do organismo à luz da realidade. É certo, que o Ego faz eco das demandas do Id e dos seus desejos, mas a sua função consiste em os satisfazer ou não, segundo as possibilidades oferecidas pela realidade. Não é que o Ego não queira o prazer que o Id procura, porém às vezes reconhece que tem de suspender a sua procura sob pena de entrar em conflito com a realidade.

Um Ego amadurecido, não se assusta ao fazer eco dos desejos do Id, ao tomar consciência deles. Ao contrário, um Ego infantil e neurótico resiste a trazê-los à consciência, defendendo-se contra eles através da repressão (recalcamento) e outros mecanismos de defesa. Um Ego maduro e adulto não se assusta, não teme os desejos instintivos; não quer dizer que os satisfaça a todo o momento, significa somente que os consciencializa e depois satisfá-los ou não segundo seja ou não racional fazê-lo.

No Ego radicam as funções perceptivas, cognitivas, linguísticas e da aprendizagem, ou seja, todas as funções através das quais o sujeito se adapta ao meio ambiente.

Um dos erros mais correntes, e que, com alguma frequência é cometido também por alguns psicólogos, consiste em acreditar que todos os processos designados pelo Ego freudiano possuem a propriedade de ser conscientes. É certo que a maior parte dos mecanismos e processos do Ego são conscientes, mas nem todos o são. Freud chegou a esta conclusão ao observar que em certas ocasiões alguns desejos instintivos procedentes do Id são rejeitados ou reprimidos pelo Ego sem que o sujeito tenha consciência alguma nem dos desejos nem da sua rejeição ou repressão.

A terceira instância da personalidade - o Superego - representa as normas e os valores convencionais da sociedade ou do grupo social no qual o indivíduo foi criado e em que está inserido. Diríamos que representa a sociedade dentro do próprio indivíduo, com as suas leis e normas muitas vezes fonte de embaraço e de inibição para a estrutura do ego.

É evidente que as exigências do Superego se opõem quase sempre aos desejos do Id. Este conflito, entre o Superego e o Id incide directamente no Ego, já que tanto o Id como o Superego procuram que o Ego actue de acordo com as suas próprias exigências ou desejos. Normalmente o que o Ego faz é procurar uma solução de compromisso que os satisfaça, embora parcialmente. Um Ego maduro consegue normalmente achar esta fórmula conciliatória, a qual, para que seja realmente válida, deverá ter em conta também a realidade ambiental.

Poder-se-á dizer que, para Freud, a personalidade consiste basicamente neste conflito entre os desejos instintivos e as normas interiorizadas da sociedade, conflito que se desenrola no grande cenário constituído pela relação mútua entre o Ego e a realidade ambiental.

Kubrick - o cineasta das obras primas

Quando Stanley Kubrick morreu, em 1999, um jornalista escreveu que agora não mais poderia viver à espera do próximo filme do cineasta, e que com isso sua vida se empobrecera – e muito. De fato, Kubrick, nascido em 26 de julho de 1928, em Nova York, é um dos poucos cineastas (eu diria mais, um dos poucos artistas) contemporâneos capazes de causar esse tipo de impressão, de que seu desaparecimento implica uma limitação às nossas expectativas estéticas e mesmo em nossa compreensão do mundo. E que outra coisa dizer de um diretor que legou peças de antologia como 2001: Uma odisséia no espaço, Lolita, Laranja mecânica, Doutor Fantástico, O iluminado, entre outros filmes?
Podemos fazer jus a Kubrick analisando sua carreira filme a filme, ou tomando-a em seu conjunto. Vendo-se cada peça de maneira isolada se constata uma grande concentração de obras-primas em uma única filmografia. A análise geral manda dizer que o nível de qualidade raramente cai, porque, provavelmente, o cineasta tinha, como poucos em seu métier, amplo domínio sobre as diferentes etapas do fazer cinematográfico. E não por acaso. Em um dos seus primeiros filmes, o curta-metragem Fear and desire (1953), história de quatro soldados perdidos entre as linhas inimigas, Kubrick foi produtor, diretor, roteirista, fotógrafo e montador. Foi um fracasso comercial, mas muito instrutivo do ponto de vista técnico.
Já seu magnífico noir O grande golpe (1956), história de um assalto em um hipódromo, tornou-se grande sucesso de público, e também de crítica. Bastante influenciado por Robert Aldrich e Max Ophuls, Kubrick trabalha visualmente com longos planos-seqüência nesse caso de um assalto fracasso estrelado por Sterling Hayden (que curiosamente está em O segredo das jóias, de John Huston, sobre tema semelhante). Esse filme tem sido exibido na TV a cabo ultimamente e revê-lo sempre serve para comprovar como Kubrick foi eclético. Dominando a forma, pôde se exercitar com igual competência em gêneros diferentes. E, por isso mesmo, suas obras-primas estão divididas em uma série de gêneros distintos – noir, ficção científica, filme de época, guerra, romance, thriller etc. Conclusão: quando se trata de um grande artista, no fundo não é o gênero que conta. O gênero apenas se presta para o exercício de um ponto de vista, uma visão de mundo e um estilo pessoal.
Será assim no antimilitarista Glória feita de sangue (1957) e também no filme-histórico em que retorna à Roma Antiga, Spartacus (1960). No primeiro, aborda um episódio vergonhoso da Primeira Guerra Mundial, que fez o filme ficar proibido na França durante muito tempo. Usa uma fotografia notável, que torna o conjunto das imagens parecido a uma obra de fato rodada na época em que os fatos acontecem. E que fatos! Uma missão inútil, que termina em massacre e ainda custa o fuzilamento dos que se recusam à carnificina. É uma denúncia do absurdo da guerra que tem de ser citada ao lado de clássicos como A grande ilusão, de Jean Renoir. A cena final, com a moça alemã cantando num cabaré de franceses, é de cortar o coração.
Spartacus, cujo roteiro se deve a dois “vermelhos” da época do macarthismo, Howard Fast e Dalton Trumbo, fala da revolta dos escravos contra os senhores de Roma, numa clara alusão política. Além disso, o filme tem um tratamento cru, nada convencional, e destoante da maneira como a Roma antiga era retratada então, em melodramas cristãos moralizantes.
Um marco na carreira de Kubrick será Lolita (1962), adaptado da obra polêmica de Vladimir Nabokov. Como se sabe, o cineasta teve de enfrentar resistências da indústria para adaptar essa obra que mexe em tema tabu – a pedofilia. No romance, Lolita é uma menina mesmo. No filme, aparece mais próxima da idade adulta, na figura da adolescente vivida por Sue Lyon. Mesmo assim, a Lolita de Kubrick não deixou de provocar reações. E, mais uma vez, essas se devem tanto ao tema como à maneira como Kubrick coloca a câmera e arma o plano. Por exemplo, a primeira vez que o personagem de Humbert Humbert (James Mason) vê a sua Lolita é de uma sensualidade inesquecível, qualquer que seja a idade da garota em questão.
Em Doutor Fantástico (1964), Kubrick voltará ao tema da guerra, já abordado em Glória feita de sangue e ao qual retornará mais adiante em Nascido para matar (1987). Mas, no contexto da guerra fria, usará de uma fina ironia para melhor discutir o absurdo da situação em que a política parece refém de militares alucinados. Com Peter Sellers fazendo diversos papéis (inclusive o dr. Strangelove, do título original), Kubrick irá examinar como o militarismo e a luta entre as então duas superpotências, estava à beira de mandar o mundo à breca, o que de fato quase aconteceu durante a chamada “crise dos mísseis” em Cuba, tendo como antagonistas o presidente John Kennedy e o premiê soviético Nikita Krushev.
Já 2001: Uma odisséia no espaço (1968) não se preocupa tanto com a corrida espacial, outra face da guerra fria entre as superpotências, mas explora outros pontos inerentes ao desenvolvimento tecnológico acelerado: a relação entre homem e máquina (o caso do computador Hal), ainda incipiente, e a eterna busca humana pelas origens. O que faz dessa adaptação da obra de Arthur C. Clarke uma ficção científica em tom metafísico e um dos filmes de visual mais impactante da história do cinema.
Em seu filme seguinte, Laranja mecânica (1971), Kubrick trata de outra das distopias possíveis, associada ao futuro, desta vez não se referindo a máquinas que saem do controle, mas aos próprios seres humanos, incapazes de dominar seus instintos. Agora é a violência sem controle, tal como conhecemos hoje nas grandes cidades e, por paradoxo, as formas de combatê-la, por um tipo de “tratamento psicológico” radical, conhecido nos laboratórios como condicionamento aversivo. Mas é também a plasticidade e a força das imagens que impressionam aqui, com sua aceleração e desaceleração de cenas de tortura e de estupro. O filme foi proibido no Brasil durante a ditadura militar.
Barry Lindon (1975) talvez seja o Kubrick menos amado – e há razões para isso. Seu retrato de um escocês que usava a hipocrisia britânica como arma social foi chamado pela crítica Pauline Kael de “bloco de gelo”. Uma narrativa em off antecipatória e a longa descrição em imagens dos ambientes tornam monótona essa adaptação de W. M. Thacheray para a maior parte dos espectadores. Nesse sentido, parece ser um filme que se limita à descrição do grand monde europeu, sem entrar no campo analítico.
Com O iluminado (1980), adaptado da obra de Stephen King, Kubrick faz um clássico do suspense. Antológica é a interpretação de Jack Nicholson como o escritor perturbado pela solidão do Hotel Overlook, isolado no inverno pela neve, e que passa a ameaçar a própria família. Nesse filme, o steadycam, dispositivo que permite produzir o efeito de câmera na mão, mas sem oscilações, é usado de maneira intensiva. Permite algumas filmagens de arrepiar através dos imensos corredores do hotel, quando algumas figuras do passado parecem sempre prestes a surgir de cada canto oculto.
Em Nascido para matar (1987), Kubrick, depois de Coppola, Cimino e Oliver Stone, volta-se para o Vietnã, essa ferida narcísica norte-americana. Essa adaptação do romance enxuto de Gustav Hasford, The short-timers, contém cenas que talvez tenham servido de inspiração para José Padilha em Tropa de elite, com o treinamento sadomasoquista dos militares. É, ainda uma vez, o retorno de Kubrick ao absurdo da guerra, mas enfraquecido em sua segunda parte, que se utiliza de imagens clássicas e pouco surpreendentes, fato inusitado em cineasta do nível de Kubrick. A originalidade está em mostrar o exército não como fábrica de máquinas de matar, mas “máquinas de deixar-se matar”, colocando a ênfase no lado sacrificial da atividade militar.
De olhos bem fechados (1999) é o título da adaptação de Pequeno romance de sonho, de Arthur Schnitzler. É a despedida de Kubrick, que morreu depois de ter feito a primeira versão da montagem. Interpretado pelo então casal na vida real Tom Cruise e Nicole Kidman, mostra como a simples confissão de um devaneio, uma insinuação fantasiosa de adultério, pode levar o marido a uma espécie de descentramento mental. Kubrick capta bem o espírito do romance deste contemporâneo de Freud e lhe dá a estrutura de um sonho – aspecto que não foi bem compreendido por parte da crítica, muito comprometida com a estética naturalista dominante. O ponto de vista é o da fantasia do personagem de Cruise e esta não necessariamente tem a ver com a realidade objetiva. Talvez seja, dos filmes de Kubrick, o menos compreendido, o que é uma pena.
Sua obra, relativamente sintética, marcou profundamente a cultura cinematográfica moderna, dos anos 50 em diante. Sem trabalhar, como outros autores, na ruptura mais radical da linguagem cinematográfica, Kubrick foi um cultor da forma, sempre longamente pensada em função do tema a tratar. Talvez por esse motivo, haja sempre nele um impulso em limitar a extensão da emoção, como se temesse o melodrama dominante em Hollywood. Por isso, não raro, seus filmes apresentam recorte um tanto cerebral, o que não chega a ser um defeito. Pelo menos para quem não considera o cérebro um órgão inferior ao coração.


Luiz Zanin Oricchio
é jornalista, crítico de cinema de O Estado de S.Paulo

La Ronde, 1950, por Max Ophüls






Em comum - a valsa, a ironia do uso da música com os movimentos.

Max Ophuls é considerado um importante estilista e mestre do cinema. Entrou para a história como o cineasta da valsa. Nenhum outro diretor mexeu tanto a câmera, utilizando-a para criar um bailado com (e em torno) de seus personagens.

Kubrick amava Ophuls, cujos travellings homenageou em "Glória Feita de Sangue" e "2001", dois filmes que bebem na fonte deste sensível e refinado judeu austríaco que foi um dos maiores diretores do cinema sem ter, a rigor, nada parecido com ele. Grande Ophuls. O cineasta, filho de industriais nascido em Sarrebruck, operava, de dentro do romantismo aristocrático e burguês, a destruição do segundo.

Max Ophuls foi jornalista durante a 1a. Guerra Mundial e depois tornou-se francês por adoção. Estreou no teatro em 1919 como ator para depois se desenvolver como diretor, encenando desde o teatro clássico até a opereta, No cinema, começou como assistente de Anatole Litvak, em 1930, ano em que realizou seu primeiro filme.

O primeiro sucesso só veio com Uma história de amor, realizado na Alemanha com o título de Libelei, em 1932. Neste filme, seu estilo elegante e refinado já se definia na adaptação de Arthur Schnitzler, em quem Ophuls mais tarde se inspiraria para criar um dos seus mais importantes filmes, Conflitos de amor, em 1950.

A ascensão de Hitler ao poder na Alemanhar obrigou Ophuls a abandonar o país e a instalar-se na França, onde o êxito de Uma história de amor lhe permitiu prosseguir carreira - com o parênteses de duas obras realizadas na Itália e na Holanda. Na França, pôde desenvolver um estilo romântico e nostálgico e de grande elaboração formal em filmes de sucesso como La tendre ennemie (1936), Sans Lendemain (1939) e De Mayerling a Saravejo (1940), onde narrou os amores do Arquiduque Francisco Fernando com a condessa tcheca Sofia Chotek.

O avanço das tropas alemãs levou-o à Suíça e, em seguida, aos Estados Unidos, onde a ajuda de Douglas Fairbanks lhe possibilitou continuar sua carreira, a partir de 1947, com The exile, Cartas de uma desconhecida, em 1948 - uma adaptação de Stefan Zweig - e The reckless moment, de 1949, seu último filme na América.

Em 1950, reiniciou sua filmografia na França onde, com o prestígio de ter sido descoberto pela nova crítica da revista Cahiers du Cinéma, realizou suas obras de maturidade. A este período de apogeu correspondem Conflitos de amor — novamente uma adaptação de Arthur Schnitzler; O prazer - baseado em várias narrativas de Maupassant; Madame De... - segundo uma novela de Louise de Vilmorin - e a reconstituição romanceada da vida da bailarina de flamenco Lola Montez, filme que sofreu a mutilação de uma remontagem, perpetrada pela produtora com vistas à sua distribuição comercial.

Arte Conceitual e Videoarte






A arte conceitual é aquela que considera a idéia, o conceito por trás de uma obra artística. como sendo superior ao próprio resultado final, sendo que este pode até ser dispensável.

A partir de 1960, essa forma de encarar a arte espalha-se pelo mundo inteiro, abarcando várias manifestações artísticas.

Entretanto, desde Duchamp podem ser percebidos os primeiros indícios da sobrevalorização do conceito.

DUCHAMP (Marcel), pintor francês (Blainville, 1887 – Neuilly-sur-Seine, 1968). Inicialmente influenciado pelo cubismo, teve depois participação importante no movimento dadá e no surrealismo. Tendo-se fixado nos E.U.A., dedicou-se à "antiarte" e em 1914 criava o primeiro ready-made. Suas pesquisas viriam a exercer influência na "pop-art".

Um trabalho de arte conceitual, em sua forma mais típica, costumava ser apresentado ao lado da teoria. Pôde-se assistir a um gradual abandono da realização artística em si, em nome das discussões teóricas.

Países como a Inglaterra (que historicamente se mantivera avessa às discussões teóricas quando o assunto era arte) foram grandes focos desse novo modelo. Publicações, como "Art and Language", do grupo liderado por Victor Burgin e John Stezaker, eram bastante influentes.

O uso de diferentes meios para transmitir significados era comum na arte conceitual. As fotografias e os textos escritos eram o expediente mais comum, seguida por fitas K-7, vídeos, diagramas, etc.

Nos Estados Unidos, temos as figuras de Lawrence Weiner e Robert Barry, como importantes expoentes do novo estilo.

Joseph Kosuth também é considerado um dos líderes do movimento no país. É bastante conhecido seu trabalho "One and Three Chairs", que apresenta uma cadeira propriamente dita, uma fotografia de uma cadeira e uma definição extraída do dicionário sobre o que seja uma cadeira.

"A Arte como idéia", em que dá definições de pintura divididas em itens sobre um fundo negro, é outro bom exemplo de trabalho conceitual.

Os artistas não se incomodavam em evitar as trivialidades, em criar elementos que tornassem interessantes suas composições ou realizar composições agradáveis ao olhar.

Pelo contrário, era preferível que nada desviasse a atenção da idéia que um trabalho deveria expressar.

Alguns artistas iam mais longe, afirmando que essas imagens triviais poderiam refletir a própria superficialidade de quem as observa.

Utilizando-se de imagens comuns, como por exemplo, a cadeira de Kosuth, em que pode se argumentar não ter acrescentado nada ao conhecimento de qualquer pessoa, acostumada com uma cadeira, não costumava ser bem recebida pelo público.

Além disso, o problema maior era que, não acrescentando nada, essas experiências fora do eixo convencional tornavam difícil o julgamento do que era realmente uma obra de arte ou simples amadorismo.

Entretanto, grande parte dos artistas conceituais tinham por objetivo, com esse tipo de procedimento, realizar exatamente o contrário: popularizar a arte, fazer com que ela servisse como veículo de comunicação.

Seria uma oposição ao hermetismo do minimalismo e à redução da arte às relações, por exemplo, entre forma e pigmentação.

Na verdade, servindo-se de textos abstratos, normalmente aproveitando-se da lingüística ou da filosofia, acabam por possivelmente aumentar o hiato entre o artista e o grande público..







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A VIDEOARTE parte da idéia de espaço como campo perceptivo, defendida pelo minimalismo quando enfatiza o ponto de vista do observador como fundamental para a apreensão e produção da obra. Mas, se o trabalho de arte na perspectiva minimalista é definido como o resultado de relações entre espaço, tempo, luz e campo de visão do observador, o uso do vídeo almeja  transformar de modo radical as coordenadas desse campo perceptivo, dando novo sentido ao espaço da galeria e às relações do observador com a obra. Colocado numa posição intermediária entre o espectador do cinema e o da galeria, o observador/espectador da obra é convocado ao movimento e à participação.
Uma nova forma de olhar está implicada nesse processo, distante da ilusão projetada pela tela cinematográfica e da observação da obra tal como costuma ocorrer numa exposição de arte.

Modernismo Judaico Vienense


Em Modernismo Judaico Vienense, Abigail Gillman desafia a compreensão convencional do modernismo simplesmente como uma ruptura com a tradição. Até recentemente, o estudo do modernismo judaica tem-se centrado nas questões da identidade judaica e não-judeus, em geral, ignorando o judaísmo papel na formulação do modernismo europeu como um todo. Centrando-se sobre as obras de grandes autores e pensadores de Viena de Freud, Hofmannsthal, Beer-Hofmann, e Schnitzler, tanto dentro como fora do contexto da identidade judaica, Abigail Gillman proporciona uma perspectiva nova e profunda sobre o modernismo.

Modernismo Judaico Vienense reúne três centrais turn-of-the-century fenômenos culturais: a repartição dos modos tradicionais de transmissão do passado ao presente, a contribuição judaica à cultura vienense sem precedentes como um todo, eo desenvolvimento de um judeu especificamente no modernismo a Europa. Através de sua análise das questões mais amplas do memorialismo e da memória, a construção da história e identidade e natureza do modernismo, Gillman demonstra que o modernismo é fortemente atraído para o passado e que participam activamente com a tradição.

Stanley Kubrick - Fotógrafo











Stanley Kubrick é conhecido pela sua carreira como realizador de filmes como 2001: Odisseia no Espaço, Laranja Mecânica, Barry Lyndon ou Shining, mas poucos conhecem a sua faceta como fotógrafo profissional da defunta revista Look. A Look era então muito conhecida por dar nas suas reportagens mais ênfase às fotos do que aos textos. A revista foi fundada em 1937, Kubrick admitido em 1945, o último número publicado a 19 de Outubro de 1971.

O nome do realizador ficar-lhe-á também associado por ter sido o mais jovem fotógrafo a ser contratado pela Look: Kubrick tinha 17 anos quando captou a expressão melancólica de um vendedor de jornais lendo a notícia da morte de Franklin D. Roosevelt. Enviou a foto à revista, que a comprou por 25 dólares, cerca de 15 euros, e a publicou na edição de 26 de Junho de 1945. A foto acabou por dar a Kubrick um emprego a tempo inteiro na revista como repórter fotográfico. Por lá trabalhou até 1951.

O espólio fotográfico da Look foi doado à Biblioteca do Congresso americano e das cerca de 300 imagens que Kubrick captou enquanto fotógrafo profissional, mais de 100 estão disponíveis na colecção do Congresso. Devido ao interesse provocado pelo facto de ser uma faceta menos conhecida do realizador, essas fotos encontram-se catalogadas à parte e legendadas. Outras fotos importantes de Kubrick – a reportagem fotográfica sobre «os contrastes da cidade de Chicago» – podem ser encontradas no Museu da Cidade de Nova Iorque. (fonte: Wikipédia).

Para um fã de Kubrick, é espantoso vislumbrar nos trabalhos fotográficos duas características presentes no seu cinema: em primeiro lugar, o sentido de pose. Quem já viu Shining e, sobretudo, Laranja Mecânica, compreenderá o que isto quer dizer: o primeiro plano do gang ultra-violento de Alex, bebendo copos de leite «artilhado» enquanto os seus elementos olham fixamente a câmara, os gestos reduzidos ao mínimo, quase estilizados. Esse sentido de pose – controlo, se calhar – que caracteriza a forma como filmava os seus personagens desenvolveu-o na Look, fotografando actores famosos como Montgomery Clift para ilustrar artigos em que se descrevia o «perfil» do fotografado.

Depois temos outra faceta na fotografia de Kubrick que se relaciona directamente com o seu cinema: a imagem em que captou uma banda de jazz em acção. Temos o elemento musical, na verdade o extremo bom gosto de Kubrick, sempre extraordinário na escolha das peças musicais para a banda sonora dos seus filmes: quanta gente não associa Dawn – a secção de abertura de Thus Spoke Zarathustra, de Richard Strauss – apenas ao filme 2001: Odisseia no Espaço? Quantos realizadores usariam experimentações sonoras vanguardistas de Ligeti num filme de ficção científica ou o adagio de Music for Strings, Percussion and Celesta, de Bela Bartok, num filme de terror? Por falar nisso, os fãs de Kubrick e visitantes mais recentes poderão gostar de um post que escrevi sobre as músicas de 2001: Banda Sonora do Cosmos.

Nessa foto com a banda de jazz vislumbra-se aquela característica peculiar em Kubrick que é a de transmitir ao espectador uma noção quase tridimensional do espaço: no cinema usava muitos travellings, efeitos labirínticos com lentes grande angulares, steady cams (foi o primeiro realizador a fazer uso desse tipo de câmaras, no filme Shining). No caso da fotografia, ela é especial porque não existe pose, apenas movimento: vemos o casal sentado a conversar, alheio à música, depois olhamos para o trompetista e é como se estivesse a tocar diante de nós, tal é o ângulo em que é fotografado, o baterista lá atrás, pequeno como o copo que vemos em primeiro plano, a perspectiva da sala.

Todas estas observações sobre a relação entre as fotos e o cinema de Kubrick podem ser lidas numa excelente página biográfica dedicada ao realizador. Esta foto, já agora, faz parte da reportagem sobre os «contrastes de Chicago» que a Look encomendou a Kubrick em 1949.